Frank interpretado por Michael Fassbender: humano, demasiado humano...


joao lopes
15 Out 2014 23:28

Um filme não se confunde com a performance de um actor, por mais excepcional que possa ser. Mas é um facto que há filmes que dependem, por inteiro, do sentido de risco do trabalho de um determinado actor: dirigido pelo irlandês Lenny Abrahamson, "Frank" é um desses filmes — nele vemos (ou não vemos…) o extraordinário Michael Fassbender a interpretar uma personagem (o Frank a que o título se refere) que usa sistematicamente uma cabeça de cartão.

Frank é o vocalista e líder de uma bizarra banda rock que conhecemos a partir do momento em que, por circunstâncias mais ou menos acidentais, com ela se envolve a personagem do teclista e compositor Jon (Domhnall Gleeson). Quando depara com a cabeça de Frank, Jon descobre — e nós com ele — que não se trata de um dispositivo mais ou menos bizarro para as performances ao vivo mas, por assim dizer, de um modo de ser.
Convém dizer que nada disto resulta de um banal delírio fantasista… O argumentista Jon Ronson (que trabalhou em colaboração com Peter Straughan) partilhou, na segunda metade dos anos 80, a vida da banda de Frank Sidebottom, precisamente o vocalista de The Soronprfbs que usava uma cabeça de cartão…
Não se trata, no entanto, de fazer uma evocação biográfica, quanto mais não seja porque a acção surge transferida para o nosso presente. Trata-se, isso sim, de colocar em cena o visceral paradoxo humano: por um lado, Frank existe como uma espécie de negação (física e simbólica) da própria postura humana; por outro lado, quanto mais penetramos no seu universo esotérico, mais sentimos as singularidades que nos aproximam das suas ideias e emoções.
Fassbender presta-se, assim, a uma extraordinária aventura, aliás, muito bem secundado pelos restantes elementos do elenco, incluindo esse sempre notável secundário que é Scott McNairy (que está também, por exemplo, em "Em Parte Incerta", de David Fincher). Sem nunca ceder a qualquer tipo de pitoresco — "Frank" não é, decididamente, um "caso da vida" à maneira televisiva —, o actor sabe representar a fascinante proximidade emocional de uma identidade que, afinal, além de distante e indecifrável, parece invisível.

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