Domnhall Gleeson e Tom Cruise — recordando os atribulados anos 80


joao lopes
2 Set 2017 2:08

Um belo dia, algures em finais da década de 1970, um agente da CIA, interpretado por Domhnall Gleeson, aborda um piloto da TWA, de nome Barry Seal, dizendo-lhe que a sua agência sabe que ele utiliza as suas viagens para fazer contrabando de charutos cubanos. E tem uma proposta para lhe fazer: não será legalmente acusado desde que se disponha a fazer voos para fotografar os campos de guerrilhas na América do Sul…

Eis um ponto de partida que anuncia uma crónica mais ou menos amarga, porventura irónica, desse tempo em que a administração Reagan se envolveria numa série de atribulações que desembocaram no escândalo Irão-Contras. E tanto mais quanto Barry Seal acabará a transportar droga para o cartel de Pablo Escobar… Provavelmente, um filme como "Barry Seal: Traficante Americano" [título original: "American Made"] assim se desenvolveria, não se desse o caso de ser interpretado por… Tom Cruise.
Contra Tom Cruise? Nada disso. Se há actor que, apesar de tudo, mantém um estatuto de estrela sem se deixar "devorar" pelas mais gratuitas derivações digitais, é Tom Cruise (sem esquecermos, claro, que na sua filmografia há coisas admiráveis como "A Cor do Dinheiro", "Magnolia" ou "De Olhos Bem Fechados"). Acontece que Cruise parece compelido a exibir-se como eterno duplo da sua personagem de Ethan Hunt, na série "Missão Impossível" — e é, no mínimo, discutível que isso esteja a fazer bem à sua própria versatilidade.
Realizado por Doug Liman, "Barry Seal: Traficante Americano" distingue-se por um evidente know how, capaz de criar uma antologia de vinhetas, mais ou menos sugestivas, mais ou menos esquemáticas, da época que retrata. Ao mesmo tempo, os talentos nele investidos (incluindo a notável direcção fotográfica do uruguaio César Charlone) vão sendo formatados em função de um conceito de "acção" que, em última instância, banaliza o dramatismo de muitas situações. E, decididamente, não é possível observar as memórias históricas que nos apresentam como se fossem mais uma sequela de "Missão Impossível".

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