Dentro e fora do taxi de Jafar Panahi — uma afirmação de liberdade artística


joao lopes
9 Jul 2015 3:23

A imagem mostra-nos a sobrinha de Jafar Panahi. Debruçando-se sobre o interior do carro em que o tio a veio buscar à escola, protesta duplamente: primeiro, porque ele está muito atrasado; segundo, porque o tem elogiado junto das colegas (sublinhando o facto de ele ser um "cineasta"), desse modo sentindo-se humilhada por ele aparecer ao volante de um… taxi!

Afinal de contas, no seu filme "Taxi", Panahi conduz ou não um taxi? Sim, sem dúvida — digamos que ele interpreta um motorista que, através dos seus passageiros, nos vai revelando a variedade dos cidadãos de Teerão, envolvendo comportamentos que vão desde a mais violenta arrogância (contra as mulheres) até à defesa da dignidade humana (nas palavras de uma advogada dos direitos humanos).
Ao mesmo tempo, tudo se passa como se entrássemos num infinito jogo de espelhos: Panahi é a sua personagem, típica e artificiosa, mas nunca deixa de ser aquilo que é, observador e cineasta — há mesmo um passageiro que o trata pelo nome e lhe diz, sorridente, que percebeu que ele anda a fazer um filme…
Há outra maneira de dizer isto: o exercício de alegre desmontagem do cinema enquanto dispositivo de representação funciona também como um gesto de afirmação artística face às condições em que Panahi tem sido obrigado a viver. De facto, em 2010, ele foi condenado pelas autoridades iranianas a seis anos de prisão domiciliária, estando também proibido de filmar durante vinte anos.
Distinguido com o Urso de Ouro do Festival de Berlim, "Taxi" é o terceiro filme que Panahi realiza nestas drásticas condições, depois de "Isto Não É um Filme" (2011) e "Closed Curtain" (2013). Na sua metódica deambulação pelas ruas, estamos perante um gesto de admirável afirmação de liberdade criativa, celebrando o cinema como essa vontade indomável de olhar o mundo à sua volta — mesmo não saindo do espaço exíguo de um taxi.

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