Brian Kingsley em


joao lopes
20 Ago 2015 0:40

É mesmo verdade que os resultados práticos de um filme não se medem pelas qualidades do respectivo ponto de partida — é preciso saber o que fazer com ele, como integrá-lo numa estrutura narrativa, em que sentido caminhar… O caso de "Outro/eu" (título original: "Self/less") aí está como eloquente demonstração: um objecto enraizado na tradição da ficção científica, que arranca com a estranheza fascinante de um desafio à própria sobrevivência do género humano, para depois, algures a meio do seu desenvolvimento, se perder nas vulgaridades de um banal "filme de acção".

Podemos até passar em claro o facto de o argumento (da responsabilidade dos irmãos espanhóis David e Alex Pastor) copiar de forma mais ou menos directa o dispositivo do magnífico "Uma Segunda Vida" (1966), de John Frankenheimer. A saber: um homem riquíssimo que renasce num corpo rejuvenescido, neste caso depois de comprar um "bilhete" para a eternidade através de uma firma de investigação no domínio da genética…




O mais interessante resulta do facto existencial de esse homem (Ben Kinsley), com todas as suas memórias e indiossincrasias, entrar num bizarro período de adaptação física e mental a partir do momento em que se descobre noutro corpo (interpretado por Ryan Reynolds) — seria uma fábula sobre os enigmas da identidade, obviamente contaminada por temas da nossa actualidade científica e filosófica; infelizmente, ou porque alguém perdeu o controle do projecto, ou porque se tratava de dar uma nova "imagem" a Ryan Reynolds, a partir de certa altura "Outro/eu" mais parece um vulgar policial, apenas dependente da acumulação de cenas de perseguição ou tiroteio.

Os resultados são tanto mais desconcertantes quanto o realizador Tarsem Singh é, pelo menos, alguém que sempre trabalhou com especial cuidado os elementos cenográficos dos seus filmes — lembremos, sobretudo, "A Cela" (2000), com Jennifer Lopez. Claro que nada disso garantia qualquer automático brilhantismo, mas "Outro/eu" parece ser um daqueles projectos que teve tudo para funcionar (a começar pelos meios de produção), acabando por deixar pelo caminho as suas melhores hipóteses, quer no plano dramático, quer no registo espectacular.

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