A rotação dos dias na ilha Graciosa, nos idos anos 60, era marcada pelos ritmos decorrentes dum acentuado isolamento geográfico. Só os navios abriam portas, sendo aguardados com pertinente ansiedade. Também a rádio, os jornais e as revistas, traziam o mundo. Dentro do possível. Na medida do tolerado. Ou do permitido.
As águas do céu enchiam reservatórios e cisternas, e as cativas debaixo da terra, eram mecanicamente elevadas para que corressem nas torneiras. A electricidade ia tenuemente crescendo dos centros urbanos para as periferias da ilha, mas eram as estrelas e a lua que iluminavam a generalidade dos caminhos. No demais havia o petróleo e as velas.
A agricultura ocupava a maioria da população que dela comia o pão. A vinha medrava por entre o rendilhado das quadrículas de pedra, matando a sede das gentes, servindo de considerável suporte económico. A pesca artesanal e a caça à baleia eram actividades supletivas que complementavam o sustento familiar. Um pouco comércio, outros tantos lugares de secretaria, asseguravam os consumos primários ou a eficácia da administração pública.
Pouca terra, a estreiteza dela, era maior para uns do que para outros. A emigração tornava-se apelativa para muitos e os braços e as almas foram diminuindo na ilha.
Então corriam lentos mas serenos os nossos verdes anos.
Por entre angústias, sobressaltos e as festividades, a ilha rodava nos próprios eixos, porém, sem estar surda aos ecos das alterações subsequentes ao pós-guerra, que paulatinamente criaram uma outra emergente ordem social e económica.
A geração de nossos pais compreendeu bem a exigência de investir nas qualificações académicas dos filhos – para além da obrigatória escolaridade dos quatro anos da instrução primária, a única existente na ilha – com vista a dar um futuro com outros horizontes, ou menos aflito do que o deles.
Com esse desígnio, uns poucos saíram para estudar noutras ilhas e outras paragens. Pertenci a esse grupo que fez rolar lágrimas e impor sacrifícios nas duas gerações precocemente apartadas. Outros mais, essencialmente por razões de frágil suporte económico, permaneceram em casa, buscando outras soluções lectivas existentes no meio.
Foram os professores do ensino básico, padres e funcionários públicos, em horário pós laboral, que se dedicaram à tarefa de transmitir os seus conhecimentos através de “explicações”, preparando alunos para os exames liceais.
A Professora Maria Teodora de Borba atenta a essa necessidade, enquanto cursou o Magistério em Angra do Heroísmo, no ano lectivo de 1956/1957, foi dando a outros aquilo que aprendera. E já casada com um graciosense era instada para intensificar a aprendizagem dos alunos chegados da ilha Branca no último período lectivo e em vésperas das provas.
Depois, transferida a seu pedido para Santa Cruz da Graciosa em 1964, onde leccionou na escola de Bom Jesus, capitalizando a experiência adquirida e a vocação lectiva, com muita “genica” organizou uma espécie de externato onde leccionava sozinha ou coadjuvada por outros agentes. Funcionava manhã cedo, ou desde as 16h até noite adentro, onde os jovens da ilha recebiam a preparação, com vista ao êxito dos exames liceais até ao 5º ano (nono ano de escolaridade). Além das actividades lectivas e a responder aos entusiasmos juvenis, a Prof. Teodora fomentou a participação dos seus alunos em desempenhos lúdicos e teatrais, oferecidos à comunidade.
Com dedicado empenho e esforço entrega-se durante uma década à formação dos alunos graciosenses para os exames no exterior da ilha, até que a abertura do ensino liceal na Graciosa em 1974/1975 a dispensa dessa obrigação cívica.
À docente que se afirmava no meio graciosense esperavam novos desafios. Designada para o efeito, a Senhora D. Teodora, desassombradamente, meteu ombros à missão de criar a Casa Etnográfica da Graciosa, reunindo muito do espólio digno dum Museu, que hoje é.
Organizou e teve participação activa em diversas acções, de que salientamos o desfile etnográfico dos quinhentos anos de Vila e fantasias de carnaval. A par disso, desenvolveu associações, participou no coro da Matriz e muitas outras que não caberia enumerar neste testemunho.
Autarca presente foi eleita em três períodos distintos para a presidência da Junta de Freguesia de Santa Cruz da Graciosa (1979/1982, 1985/1989 e 1993/1997).
Agraciada neste ano de 2018 pelas entidades públicas regionais com a insígnia autonómica de reconhecimento, não dispensa o preito e humilde homenagem duma graciosense.
Sempre envolvida na sociedade, a Senhora D. Maria Teodora de Borba, com competência profissional e a melhor disponibilidade pessoal, ofereceu inestimáveis préstimos à sociedade graciosense, pelo que merece o nosso grato apreço pela dádiva a favor do progresso da ilha Graciosa.
Julho 2018