Estreias
À procura da Pixar perdida
Para onde vai a animação da Pixar? "Onward" — entre nós lançado com o infeliz título "'Bora Lá" — está longe de ilustrar o requinte estético e narrativo de várias produções emblemáticas deste estúdio de animação.
Ian e Barley: os dois irmãos com vozes de Tom Holland e Chris Pratt
Trailer/Cartaz/Sinopse:
Bora Lá
"Bora Lá", da Disney/Pixar, passa-se num mundo de fantasia suburbana,e vai acompanhar dois irmãos elfos adolescentes (vozes de Chris Pratt e Tom Holland na versão original), que embarcam numa grande e gloriosa demanda para descobrir se ainda existe magia no mundo. A nova longa-metragem original dos Estúdios de Animação da Pixar é realizada por Dan Scanlon e produzida por Kori Rae - a equipa por ...
Desta vez, até mesmo o mercado brasileiro, muito dado a títulos mais ou menos delirantes, parece ter optado pelo bom senso: no Brasil, a nova produção Pixar, "Onward", foi lançada como "Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica". Entre nós, a solução não foi o literal "Em frente", nem o possível "Vamos em frente!". Resultado: "'Bora Lá".
O que interessa reter é o valor sintomático desta libertação (?) da linguagem. Dito de outro modo: o objecto cinematográfico passa a existir como mera interjeição injectada no quotidiano. Já não se pretende identificar uma obra, apenas se procura gerar um sobressalto sintático: 'bora lá, isto não passa de um acontecimento sem importância...
Sintomático, insisto. Porquê? Porque o que está a acontecer excede, como é óbvio, a vulgaridade de um título: a Pixar, fábrica da linha da frente na história moderna dos desenhos animados, parece estar a sofrer os efeitos da sua própria rotina. No limite, "Onward" já não é exactamente um filme, mas uma colecção de sketches capaz de ilustrar a sofisticação técnica do estúdio — e pouco mais...
O ponto de partida não deixa de ser sugestivo. Estamos no interior de um mundo de seres de fábulas antigas (incluindo unicórnios...), "sobreviventes" da magia mais primitiva, mas já não há magia. Daí a saga dos dois irmãos, Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt): arriscando convocar os velhos poderes de transfiguração, esperam poder reencontrar o pai que já faleceu...
Como muitos outros filmes contemporâneos (muito para lá da animação), o trabalho de argumento assume-se como a proliferação de situações mais ou menos "espectaculares". Trata-se de repetir, em longa duração, aquilo que já está inscrito no trailer.
O arco temporal que liga a abertura ao final é, assim, preenchido por "diversões" redundantes, cada vez mais dependentes da futilidade dramática dos super-heróis ou dos efeitos visuais de um banal jogo de video. Nem sequer falta um dragão de pedra cuja indigência figurativa parece querer desmentir o requinte estético e narrativo que, com exemplos vários, associamos ao património da Pixar.
Crítica de João Lopes
publicado 23:17 - 06 março '20