Hidetoshi Nishijimai e Tôko Miura: personagens de um conto de Haruki Murakami
CANNES 2021
À procura do romanesco
O cineasta japonês Hamaguchi Ryusuke está de novo em Cannes com "Drive My Car", retrato íntimo, algo formalista, de um encenador de teatro e da jovem motorista que o conduz.
Trailer/Cartaz/Sinopse:
Drive My Car
Yusuke Kafuku (Hidetoshi Nishijima), actor e encenador, tem um casamento feliz com a dramaturga Oto (Reika Kirishima). No entanto, Oto morre subitamente após deixar para trás um segredo. Dois anos mais tarde, Kafuku, ainda incapaz de lidar com a perda da mulher, recebe a oferta para dirigir uma peça num festival de teatro e conduz até Hiroshima. Lá, conhece a reticente Misaki (Toko Miura), ...
A noção de que as grandes "obsessões" fazem os grandes cineastas é um saldo equívoco dos tempos heróicos da crítica da Nova Vaga — como se cada filme fosse apenas a ilustração de um "eu" mais ou menos complexo e, em última instância, inacessível.
Pensemos na precisão "obsessiva" com que o japonês Hamaguchi Ryusuke, de quem conhecemos, por exemplo, "Asako I & II" (2018), constrói as suas narrativas como uma espécie de teia de alusões que resistem a qualquer racionalização segura... Será que isso o coloca ao nível de autores obsessivos como Douglas Sirk ou John Cassavetes (que Hamaguchi, precisamente, elege como seus mestres)?
Tenho sérias dúvidas. E creio que o seu filme na competição de Cannes, "Drive My Car", confirma os limites de elaboração, até agora, do seu universo. Como habitualmente, tudo acontece a partir de uma relação mais ou menos acidental em que se vão imiscuir elementos mutuamente reveladores ou, de alguma maneira, perturbantes — neste caso, entre um encenador de teatro (Hidetoshi Nishijimai) com a vida conjugal em crise e a jovem que lhe serve de motorista (Tôko Miura).
É uma teia de vida, assombrada pela morte, que Hamaguchi parece percorrer menos por causa das singularidades das suas personagens, mais pela possibilidade de criar uma antologia de factos e ilusões, certezas e abstrações, que o espectador é convocado a partilhar. Baseado num conto de Haruki Murakami, "Drive My Car" resulta, assim, um exercício de formalista de introspecção, mesmo se, em qualquer caso, nele pressentimos a energia utópica de uma narrativa singularmente romanesca.
Tenho sérias dúvidas. E creio que o seu filme na competição de Cannes, "Drive My Car", confirma os limites de elaboração, até agora, do seu universo. Como habitualmente, tudo acontece a partir de uma relação mais ou menos acidental em que se vão imiscuir elementos mutuamente reveladores ou, de alguma maneira, perturbantes — neste caso, entre um encenador de teatro (Hidetoshi Nishijimai) com a vida conjugal em crise e a jovem que lhe serve de motorista (Tôko Miura).
É uma teia de vida, assombrada pela morte, que Hamaguchi parece percorrer menos por causa das singularidades das suas personagens, mais pela possibilidade de criar uma antologia de factos e ilusões, certezas e abstrações, que o espectador é convocado a partilhar. Baseado num conto de Haruki Murakami, "Drive My Car" resulta, assim, um exercício de formalista de introspecção, mesmo se, em qualquer caso, nele pressentimos a energia utópica de uma narrativa singularmente romanesca.
por João Lopes
publicado 13:27 - 12 julho '21