Estreias
As fronteiras das relações humanas
Distinguido com dois prémios em Cannes, "O Vendedor" vem confirmar a coerência do trabalho do realizador iraniano Asghar Farhadi — os seus particularismos não excluem, antes favorecem, uma dimensão fortemente universal.
Taraneh Alidoosti — uma notável actriz num grande filme do Irão
Trailer/Cartaz/Sinopse:
The Salesman
Forçados a sair do seu apartamento devido a obras no prédio vizinho, Emad e Rana mudam-se para um novo apartamento no centro de Teerão. Um incidente ligado ao anterior inquilino vai mudar drasticamente a vida do jovem casal.
Quais as hipóteses de um filme iraniano — sublinho: do Irão — em plena quadra natalícia? Como é que esse filme se pode "defender" da avalancha promocional que sustenta os produtos típicos de Natal ("bons" ou "maus", não é isso que está em causa)?
Será que dois prémios em Cannes — interpretação masculina e argumento — são suficientes para que "O Vendedor" [título internacional: "The Salesman"], de Asghar Farhadi, seja conhecido e reconhecido por algum público?
Eis algumas questões que quase ninguém formula (e muito poucos arriscam enfrentar), mas que estão no centro da actual dinâmica — ou falta de dinâmica — do mercado. Claro que aquilo que está em causa não são os filmes que, de uma maneira ou de outra, são mais falados e mais vistos. O que está em causa é, ainda e sempre, o valor essencial da diversidade.
No caso de "O Vendedor", a diferença é tanto mais interessante quanto não apaga, antes multiplica, o seu alcance universal. Estamos, assim, perante uma história obviamente enraizada num contexto eminentemente iraniano: um casal de actores (a trabalhar numa encenação de "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Arthur Miller) tenta resolver a crise que os assalta — a pouco e pouco, por uma espécie de assombramento material e moral, todas as relações parecem abaladas...
O espectador atento reconhecerá a coerência de Farhadi. Tal como em "Uma Separação" (2011) e "O Passado" (2013), ele trabalha a partir dos elementos mais enraizados do quotidiano — neste caso, um incidente protagonizado pela mulher (confundida com uma prostituta) — para, a partir do seu desenvolvimento, observar as fronteiras das próprias relações humanas. Dir-se-ia entre as máscaras do teatro e as intensidades da vida sem máscaras.
É um filme de uma rara subtileza humana, alicerçado num realismo metódico e obsessivo, para mais ligado a um notável trabalho de representação — Shahab Hosseini e Taraneh Alidoosti definem mesmo um dos mais espantosos pares de actores vistos ao longo de 2016.
Eis algumas questões que quase ninguém formula (e muito poucos arriscam enfrentar), mas que estão no centro da actual dinâmica — ou falta de dinâmica — do mercado. Claro que aquilo que está em causa não são os filmes que, de uma maneira ou de outra, são mais falados e mais vistos. O que está em causa é, ainda e sempre, o valor essencial da diversidade.
No caso de "O Vendedor", a diferença é tanto mais interessante quanto não apaga, antes multiplica, o seu alcance universal. Estamos, assim, perante uma história obviamente enraizada num contexto eminentemente iraniano: um casal de actores (a trabalhar numa encenação de "A Morte de um Caixeiro Viajante", de Arthur Miller) tenta resolver a crise que os assalta — a pouco e pouco, por uma espécie de assombramento material e moral, todas as relações parecem abaladas...
O espectador atento reconhecerá a coerência de Farhadi. Tal como em "Uma Separação" (2011) e "O Passado" (2013), ele trabalha a partir dos elementos mais enraizados do quotidiano — neste caso, um incidente protagonizado pela mulher (confundida com uma prostituta) — para, a partir do seu desenvolvimento, observar as fronteiras das próprias relações humanas. Dir-se-ia entre as máscaras do teatro e as intensidades da vida sem máscaras.
É um filme de uma rara subtileza humana, alicerçado num realismo metódico e obsessivo, para mais ligado a um notável trabalho de representação — Shahab Hosseini e Taraneh Alidoosti definem mesmo um dos mais espantosos pares de actores vistos ao longo de 2016.
Crítica de João Lopes
publicado 23:20 - 23 dezembro '16