joao lopes
27 Abr 2017 23:17

O novo filme de João Canijo, "Fátima", explora um modelo de organização narrativa que, embora não sendo uma novidade na história dos géneros cinematográficos, tem tido em Canijo, justamente, um dos principais experimentadores portugueses. Trata-se de discutir as fronteiras tradicionais entre artifício "construído" e reportagem "espontânea", convocando o espectador para um realismo à flor da pele.

Na trajectória do realizador, "Sangue do Meu Sangue" (2011) constitui, obviamente, o momento fulcral de tal lógica criativa. E mesmo que possamos considerar que "Fátima" não atinge as intensidades, nem possui a consistência global, desse título anterior, o certo é que estamos perante a mesma sedutora estratégia. A saber: uma ficção que foi filmada como uma reportagem.
Daí a estratégia de acumulação que sustenta o filme. Na verdade, "Fátima" parece abdicar de qualquer "explicação" (religiosa, social, psicológica) para o facto de aquelas mulheres desenvolverem um esforço imenso para chegar ao Santuário de Fátima. É bem provável que, desse modo, o filme aliene a cumplicidade, ou a mais básica disponibilidade, de muitos espectadores — o certo é que o sentimento de duração constitui, em última instância, o seu tema nuclear.
Escusado será sublinhar que, poucos dias antes da visita do Papa Francisco a Fátima, este é um filme, por assim dizer, sancionado pela actualidade. E faz sentido que assim seja. Por um fundamental paradoxo: por um lado, trata-se de convocar o público através de sinais concretos do seu/nosso tempo; por outro lado, propõe-se uma visão que se afaste das convenções narrativas e simbólicas dominantes no espaço mediático.

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