João Salaviza escala a sua montanha
David Mourato, ator inexperiente, numa cena rodada numa torre dos Olivais.

VENEZA 2015: "MONTANHA"  

João Salaviza escala a sua montanha

Depois de "Arena" e "Rafa", João Salaviza capta mais intensamente o esplendor da adolescência. O realizador falou com o CINEMAX sobre a sua primeira longa-metragem, exibida em estreia mundial na Semana da Crítica do festival de Veneza.

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A primeira longa-metragem de João Salaviza acontece no território da adolescência da transição para a idade adulta, o momento em David (interpretado pelo estreante David Mourato) enfrenta a hospitalização do avó.

Durante três dias, num verão lisboeta, David espera por melhoras do avó, figura ausente durante o filme e que ele recusa ver para não enfrentar a perda, a primeira morte de um familiar, temendo a mudança que isso pode representar na sua vida.

João Salaviza quis filmar "a adolescência como sensação quase onírica." E para o fazer assume que filmou "de memória", partindo da sua vivência. "Acho que as memórias da adolescência são fortes, bonitas, violentas e não é preciso ter tido uma adolescência trágica para ter memórias trágicas."

Salavisa retoma as lembranças da sua adolescência - há 15 anos era ele que tinha 15 anos, a idade de David no filme - e confronta-as com experiências dos seus atores. "O filme segue dois desejos: o de aproximar-me das minhas memórias, e de aproximar essas memórias dos atores", captando assim "a contemporaneidade que está no filme através das histórias que os atores me contam."

Estamos no território de "Rafa" e "Arena", as duas curtas-metragens que valeram a Palma de Ouro (2009) e o Urso de Ouro (2012), dois prémios que continuam a parecer indicar um futuro promissor para um jovem talento do cinema nacional.

O realizador sabia qual o ponto de partida e de chegada. Definiu isso num argumento que foi posteriormente "destruído" à medida que o caminho narrativo foi sendo trilhado. "Senti principalmente que precisava de passar seis meses com as pessoas que queria filmar e queria que essas relações de afeto que surgem na rodagem me aproximassem dessas pessoas para filmar com intimidade"

A noite, Lisboa, o esconderijo
Para chegar ao esplendor da adolescência Salaviza tomou uma série de opções certas. Optou por filmar muitas cenas noturnas que funcionam como um lugar escondido, secreto, uma espécie de esconderijo. "À noite a cidade transforma-se e a adolescência pode revelar-se porque passa por encontrar lugares secretos, sem luz no fundo."

Escolheu novamente os Olivais para captar uma ideia de cidade modelo que fracassou, um espaço urbano projetado para ser um bairro modelo e onde hoje não há crianças. É mais um opção pessoal. "Cresci num prédio de militares reformados na Avenida Estados Unidos da América onde eu era o único adolescente, e no prédio onde filmámos, nos Olivais, vivem militares reformados. Há uma relação afetiva com esta arquitetura modernista onde a escala humana é oprimida pela dimensão dos edifícios."

Os lugares onde filmou acrescentam risco à história. Acentuando a ideia de que a adolescência é uma idade perigosa. "A cidade foi muito pensada como espaço negro, um labirinto, e perigoso de alguma forma."

Finalmente o tempo. Salaviza aborda a adolescência num contexto de crise no país, na escola, na família. Mas nunca torna isso evidente, através de um olhar sociológico ou histórico. Contraria de forma efetiva esse realismo ou naturalismo demonstrando que o filme não é uma imitação da vida. "É cinema porque há lugares onde só o cinema pode ir. É o lugar onde é possível encontrar afeto."

Com este filme  o realizador cresceu e fechou um ciclo: o da adolescência. Tal como sucede com David, Salaviza também supera a sua montanha. Foram dois anos de rodagem e de espera sem pensar na responsabilidade que representa uma primeira longa-metragem após filmes premiados. "A maior angústia já passou e foi acabar o filme. Agora o filme é do mundo... e dos deuses."

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publicado 01:04 - 07 setembro '15

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