Éric Caravaca e Esther Garrel — realismo a preto e branco, à flor da pele


joao lopes
5 Jan 2018 22:47

A sinopse de "O Amante de um Dia" tem tanto de esquemático como de insólito:  Gilles (Éric Caravaca) é um professor que se apaixona por uma das suas alunas, Ariane (Louis Chevillotte), bastante mais nova que ele; entretanto, Jeanne (Esther Garrel), filha de Gilles, instala-se em sua casa depois de o namorado ter rompido com ela — Gilles, Ariane e Jeanne vão definir um triângulo que evolui da indiferença ao ciúme, do segredo à confissão…

Assim é o cinema de Philippe Garrel (nascido em 1948, em Paris), veterano do cinema francês, figura marginal de uma certa "pós-Nova Vaga". Fiel aos princípios que, desde meados da década de 60, definem o seu universo temático e artístico, Garrel continua a filmar pequenas histórias de amor (literalmente: este filme tem pouco mais de 70 minutos de duração) que desafiam as evidências que parecem assombrá-las.



No caso de "O Amante de um Dia", o facto de Ariane e Jeanne serem, afinal, da mesma idade introduz uma nota particular na melodia narrativa, mas está longe de se transformar num "tema" dominante. Aquilo que Garrel trabalha para expor, num misto de ternura e desencanto, é o labirinto dos amores e desamores que as personagens percorrem e, num certo sentido, prolongam — para além das regras tradicionais da psicologia, ele filma a própria insensatez de qualquer movimento amoroso.

Estamos perante um conto moral, exposto num renovado e obsessivo preto e branco — a direcção fotográfica é de outro veterano, o admirável Renato Berta (que, em 2012, fotografou "O Gebo e a Sombra", de Manoel de Oliveira) — que, mais do que nostálgico, aponta para a memória de um realismo austero, à flor da pele. Sem esquecer que Esther Garrel, a intérprete de Jeanne é filha do realizador, de alguma maneira sublinhando a ambígua intimidade de todo este universo.

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