Estreias
Maternidade, passado e presente segundo Almodóvar
O filme que serviu de abertura oficial ao Festival de Veneza chega às salas portuguesas: com "Mães Paralelas", Pedro Almodóvar prolonga a sua aliança criativa com Penélope Cruz, ao mesmo tempo revisitando traumas da história do seu país.
Penélope Cruz e pedro Almodóvar — rodagem de "Mães Paralelas"
Trailer/Cartaz/Sinopse:
Mães Paralelas
Duas mulheres, Janis e Ana, dividem o quarto de hospital onde vão dar à luz. As duas são solteiras e ficaram grávidas acidentalmente. Janis, de meia-idade, não se arrepende e nas horas prévias ao parto sente-se pletórica, a outra, Ana, é uma adolescente e está assustada, arrependida e traumatizada. Janis tenta animá-la enquanto passeiam como sonâmbulas pelo corredor do hospital. As poucas ...
Já muito disseram que ninguém filma Penélope Cruz como Pedro Almodóvar... E creio bem que a afirmação não tem nada de exagerado. Aí está, em todo o caso, mais um belo exemplo da aliança da actriz e do realizador: "Mães Paralelas" prolonga a obsessão de Almodóvar pelo universo da maternidade, ou melhor, a sua capacidade de encenar as mães como portadoras de um sentido oculto, não apenas das relações familiares, mas da própria história colectiva.
À boa maneira de Almodóvar, por aqui perpassa um enigma com o seu quê de policial. As duas mães interpretadas por Penélope Cruz e Milena Smit têm os seus filhos no mesmo dia, de tal modo que, a partir daí, se desenvolve uma epopeia (paralela, precisamente) que se vai enredar com perguntas por responder. E não são perguntas banais — estão directamente ligadas às memórias perturbantes da Guerra Civil em Espanha.
Os cenários de luz cristalina e cores intensas definem uma espécie de assinatura (melo)dramática de Almodóvar. Em todo o caso, desta vez, tal assinatura não é um objectivo fechado sobre a sua "exibição", antes uma estratégia para expor as ambivalências dos factos narrados — em última instância, este é um filme sobre a dificuldade de receber, organizar e pensar as heranças históricas.
Almodóvar consegue, assim, fazer passar uma ideia forte, por certo essencial em todo o seu universo: o passado não é um objecto fechado sobre si mesmo, muito menos um mero pretexto para a nostalgia, antes uma herança que continua a pontuar a vida do presente — as “mães paralelas” são essas personagens que, através da teia do passado, descobrem um pouco mais do seu próprio presente.
Crítica de João Lopes
publicado 21:42 - 02 dezembro '21