Sergey Dvortsevoy: cineasta capaz de combinar ficção e impulso documental

19 Mai 2018 15:59

Nao será uma regra, antes uma espécie de assombramento mediático: em Cannes, quanto mais não seja por causa da abundância da oferta, há sempre algum ou alguns filmes que ficam "marginalizados" na sua exposição pública, mesmo quando há neles uma estratégia de encenação consistente, coerente e, mais do que isso, arriscada. Creio que, este ano, a maior vítima desse assombramento foi "Ayka", do russo Sergey Dvortsevoy.

Considero que estamos, de facto, perante um caso invulgar, altamente sofisticado, de encenação da experiência trágica de uma mulher do Quirguistão, à deriva na cidade de Moscovo, procurando desesperadamente trabalho para pagar as suas dívidas, depois de ter fugido do hospital onde acaba de ter um filho… Trata-se, além do mais, de um caso extremo de ficção hiper-elaborada, capaz de conservar uma contagiante dimensao documental [conferência de imprensa].


Não será difícil detectar uma fundamental inspiração de Dvortsevoy. A saber: o cinema dos irmãos Dardenne, a começar por "Rosetta" (1999), filme também construído a partir da colagem da câmara ao corpo da sua protagonista. Nada disso diminui a contagiante energia da personagem de Ayka, interpretada pela brilhante Samal Yeslyamova: este é um filme sobre a verdade muito física de uma experiência extrema, em cenários à beira do inabitável.

Embora com uma obra de poucos títulos, vale a pena recordar que Dvortsevoy não era desconhecido de Cannes — ganhou mesmo a secção "Un Certain Regard", em 2008, com "Tulpan", retrato íntimo, intimamente realista, de uma família de pastores no Kazaquistao. O mínimo que se pode dizer é que o seu olhar cinematográfico revela uma obstinação de profunda coerência.
  • cinemaxeditor
  • 19 Mai 2018 15:59

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