Quentin Dolmaire e Lou Roy-Lecollinte — o olhar de Desplechin, a herança de Truffaut


joao lopes
13 Mar 2016 23:58

Ciclicamente, a produção cinematográfica francesa leva-nos a evocar os tempos heróicos da Nova Vaga. E é bem verdade que, por vezes, tal evocação se limita a ser um exercício de boa vontade mais ou menos nostágica…

Acima de tudo, importa ter em conta que a eventual ligação de um cineasta a um determinado período ou movimento não é uma caução, antes um sintoma da (possível) riqueza da sua relação com o património cinematográfico.

É nessa perspectiva que importa (re)valorizar o universo de Arnaud Desplechin: o cineasta, natural de Roubaix (n. 1960), continua a ser um dos que, legitimamente, pode reivindicar a sua pertença a uma árvore genealógica que inclui, entre outros, François Truffaut e Claude Chabrol.

Truffaut, justamente, será a referência incontornável do mais recente trabalho de Desplechin, "Três Recordações da Minha Juventude". Paul Dédalus, o jovem interpretado por Quentin Dolmaire (e também por Mathieu Amalric, nas cenas da idade adulta), pode ser visto como um herdeiro de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), em especial tal como Truffaut o filmou em "Beijos Roubados" (1968), nove anos depois de "Os 400 Golpes" (1959).



Num caso como noutro, a passagem da adolescência à idade adulta é vivida como uma prova de fogo, a meio caminho entre a tragédia e a farsa, em que o protagonista joga toda a sua identidade. Mais do que isso: a trajectória do "herói" masculino está, toda ela, marcada pelos enigmas colocados pelas personagens das mulheres — daí, no filme de Desplechin, a importância de Esther (Lou Roy-Lecollinet), figura tão fascinante quanto desconcertante que pontua todas as atribulações da vida de Paul.
Desplechin está, afinal, a fazer um filme (até certo ponto) autobiográfico, não sendo indiferente o facto de a juventude de Paul passar, toda ela, por Roubaix. Mas não é exactamente um filme confessional. Estamos perante um objecto capaz de de reavivar a melhor tradição romanesca, resistindo a qualquer redução dos jovens (e também dos adultos) a clichés afectivos ou sociais. Tudo isto, como sempre, através de uma rigorosa direcção de actores, transmitindo a sensação insubstituível de uma genuína liberdade perante a olhar da câmara.  

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