Timothée Chalamet no papel de Nic Sheff — memórias da toxicodependência


joao lopes
29 Nov 2018 19:55

Claro que os filmes não se definem pela nacionalidade de quem os assina — sabemos bem que a história do cinema é também a história de muitos cruzamentos geográficos e culturais.

Em qualquer caso, não deixa de ser curioso assinalar que um filme tão especial como "Beautiful Boy", objecto em tudo e por tudo visceralmente americano, seja realizado por Felix van Groeningen, um belga (o seu "Ciclo Interrompido" chegou à nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 2013).

Dizer que a importância de "Beautiful Boy" decorre da sua temática central — a toxicodependência — corre o risco de atrair um imenso equívoco. De facto, os temas não funcionam como caução do que quer que seja, sendo perfeitamente possível depararmos com filmes medíocres a cujos temas reconhecemos evidente importância social ou política.
Acontece que a saga das muitas dependências de Nic Sheff nos é contada para além de qualquer banal valor "simbólico". Trata-se, aliás, de uma narrativa centrada na sua relação com o pai, David Sheff, num processo em que ambos procuram encontrar um sistema de equilíbrio que possa ajudar Nic a enfrentar os seus dramáticos problemas, preservando os laços afectivos pai/filho (o filme parte, aliás, de livros escritos por pai e filho).
Há outra maneira de dizer isto: assistimos à revalorização de um cinema que não tem preconceitos de ser psicológico, afinal expondo os enigmas e contradições dos laços aparentemente mais naturais. Daí a crença fulcral no trabalho dos actores: interpretados pelos magníficos Timothée Chalamet e Steve Carell, Nic e David são, em última instância, dois seres à procura de um sentido para a sua própria relação.
É bem provável que "Beautiful Boy" surja com algum destaque nas nomeações para os Oscars, em particular através de Chalamet e Carell. Seja como for, há uma verdade rudimentar que importa (voltar a) sublinhar: mesmo as mais requintadas manipulações digitais não conseguem, nem de perto, nem de longe, gerar algo que se pareça com a verdade carnal destes intérpretes — um filme não é um videojogo… 

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