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Paul Krugman aconselha António Costa a ter de reserva um plano de saída do Euro

por Antena 1

FOTO: Brendan McDermid, Reuters

O Prémio Nobel da Economia Paul Krugman pede ao novo Governo português para ter de reserva um plano de saída do Euro. Em entrevista à Antena 1 e à RTP, o norte-americano aconselha o Governo a focar-se no investimento e critica a ação da troika em Portugal. Uma entrevista conjunta Antena1/RTP, conduzida pelos jornalistas Frederico Pinheiro e Rui Alves Veloso.

Portugal deve ter um plano B caso, seja necessário sair do Euro, defendeu Paul Krugman em entrevista à Antena 1 e à RTP. O Prémio Nobel da Economia deixa conselhos ao novo Governo português e confessa estar perturbado com a situação política na Europa.

Rui Alves Veloso: Bom dia Professor Krugman, quando chegou a Portugal publicou um artigo na coluna de opinião do New York Times onde alerta para a queda da população empregada portuguesa… faz uma ligação entre a dívida e a emigração… porquê?

Paul Krugman: Não é que a dívida esteja a causar a emigração, mas sim porque a emigração causa uma preocupação. É um número muito chocante a velocidade à qual a população trabalhadora está a cair e preocupamo-nos que no futuro seja um processo que se auto-alimente. Posso fazer um paralelo. Temos um problema nos Estados Unidos com Porto Rico. Podemos fazer um paralelo com Portugal, muitas pessoas que saíram do país e criaram um problema orçamental para quem ficou. Mas ver acontecer isso em Portugal, onde não há um sistema de pensões e de saúde a nível europeu, torna-se um problema maior.

Frederico Pinheiro: Portugal está a sair de um resgate financeiro. Tem sido bastante crítico em relação à austeridade na Europa. Portugal tinha alguma alternativa?

“A troika enganou-se ao impor tanta austeridade.”PK: Bem, tendo em conta a necessidade de financiamento de Portugal não havia nenhuma forma de fazer as coisas de forma diferente, unilateralmente. Infelizmente, o que aprendemos, olhem para a Grécia. Se estamos dentro do euro e a troika insiste em austeridade têm muito poucas alternativas. Agora, acho que a troika se enganou ao impor tanta austeridade. Alguma austeridade tinha de acontecer, mas se me perguntar se a austeridade tinha de ser tanta a resposta é não. Foi mais duro do que era preciso.

FP: As consequências do programa de resgate explicam também a recente mudança do Governo em Portugal. Temos agora um Governo de esquerda apoiado por dois partidos de extrema-esquerda, comunistas e trotskistas. Isto pode prejudicar a imagem externa de Portugal?

PK: Não creio. Acho que… bem, vejamos as coisas assim, eu posso ser um exemplo de um estrangeiro relativamente bem informado, alguém que presta alguma atenção, assume que nada de muito mau ou de extremo vai acontecer. Estive aqui em meados dos anos 70 e nessa altura os comunistas eram assustadores, agora acho que as possibilidades de prejudicaram o país não são grandes, portanto não vejo qualquer problema.

RAV: O novo Governo está a apostar no aumento do poder de compra das famílias para fomentar o crescimento económico. Esta é uma boa estratégia? O Governo acabou de anunciar um aumento do salário mínimo. É uma medida positiva?

PK: Não tenho a certeza, mas não é o que eu teria feito, mas admito não ter estudado o assunto com atenção. O problema é que o euro é um factor fortemente limitativo. Apesar de o défice externo estar a cair muito, isso deve-se à economia deprimida, a competitividade da economia portuguesa não recuperou totalmente. Portanto, não teria aconselhado aumentos salariais, mesmo que seja importante que as pessoas tenham mais rendimentos. Preocupam-me os efeitos na competitividade.

FP: O ordenado mínimo português é de 505 euros e esteve congelado durante quase quatro anos…

PK: Bem, esse é um valor ainda mais baixo do que o salário mínimo dos Estados Unidos, se não me engano. Mas a produtividade é mais baixa. Há um problema. Temos a justiça que diz que as pessoas deviam ganhar mais, mas por outro lado temos a macroeconomia, que nos diz que Portugal ainda está com dificuldades para atingir uma desvalorização interna. Portanto, são tempos difíceis. Eu percebo que o novo Governo esteja a tentar fazer alguma coisa, mas não creio que seria isso que eu faria.
"Governo deve focar-se no investimento"
FP: Então que conselhos daria ao nosso novo primeiro-ministro?

PK: Acho que as coisas mais fáceis de justificar, tenho de dizer que não sou um especialista na economia portuguesa atual, a maior parte das coisas que eu sei estão desatualizadas em décadas, por isso eu lutaria pelo abrandamento da austeridade. Deveria estar focado no investimento, deveria estar focado em fazer coisas que podem aumentar o défice mas tornar a economia mais competitiva ao longo do tempo. Creio que há espaço para isso, agora que a crise está para trás.

RAV: Mas o novo Governo pode fazer as coisas muito diferentes do último Governo?

“O novo Governo não pode fazer muito diferente do anterior.”PK: Acho que não, receio que não, esse é o problema se estiveres no euro. Para usar uma analogia com os EUA, Portugal tem aproximadamente a mesma população de Nova Jérsia. Pode o governador de Nova Jérsia seguir uma política radicalmente diferente? Claro que não. Aqui há um pouco mais de autonomia a nível nacional, mas não assim tanta devido à moeda única. Por isso, desejo-lhes sorte, mas seria errado esperar qualquer mudança dramática.

FP: Oito anos depois do início da crise financeira, Portugal e a Europa ainda estão numa situação muito frágil, como defendeu na conferência que realizou aqui em Lisboa. Muitos economistas classificam a zona euro de disfuncional. Que mudanças estruturais devem ser feitas?

PK: Ao nível do euro há aspetos bastante claros. Deve haver uma união bancária. É extremamente destrutivo ter todos os riscos de um problema bancário a cair sobre os governos nacionais. Deveria existir um fundo único, isso é o mínimo. A nível europeu deveria existir uma política orçamental e monetária mais expansionista. Há muita margem orçamental no norte da Europa, a Alemanha e até a Holanda deviam estar a gastar mais. O Banco Central Europeu tem de ter políticas ainda mais agressivas, tem de fazer mais. Temos um exemplo de políticas que mudaram muito na direção correta. Sou um grande admirador de Mario Draghi. Há limites, mas devem fazer tudo o que é possível. Por isso, se a Europa fosse um país e o comparássemos aos Estados Unidos teria mais austeridade orçamental, menos expansão monetária. A inflação está muito mais baixa dado as necessidades de ajustamento. Por isso, a Europa como um todo precisa de um empurrão e de uma garantia bancária.

FP: A Europa e os Estados Unidos estão a ter políticas monetárias divergentes. Quais podem ser as consequências? Podemos esperar uma fuga de capitais da Europa para os Estados Unidos?

PK: Bem, esta é a alteração de política monetária mais antecipada da história. Toda a gente sabe que a FED vai subir as taxas de juro esta semana. Por isso, provavelmente não haverá uma grande ruptura, provavelmente, quando isso acontecer. Já vimos uma valorização acentuada do dólar face ao euro, isso já está a acontecer. Acho que, do ponto de vista dos Estados Unidos, temos de questionar se esta é uma política avisada. Do meu ponto de vista, num mundo com tanta integração monetária como o atual, é muito difícil um país isolar-se do que acontece nos outros sítios. Acho que a fragilidade da Europa está, até certo ponto, a ameaçar os Estados Unidos. Portanto, tenho-me empenhado para a Fed não subir as taxas. Acho que vão arrepender-se.

RAV: Portugal está a financiar-se a taxas historicamente baixas. Deve-se à intervenção do Banco Central Europeu ou há mérito no trabalho feito nos últimos anos?

PK: Eu diria que é sobretudo o BCE. Se virmos e perguntarmos se há uma ligação grande entre a retração orçamental e a capacidade de obter financiamento a baixas taxas de juro não vejo essa relação. Vejamos desta forma: há quatro anos, se comparássemos a divida e os custos de financiamento veríamos uma elevada correlação na Europa. Mas, a partir do momento em que o BCE entrou em acção, em que Mario Draghi disse que faria tudo o que fosse necessário, essa correlação praticamente desapareceu. Toda a gente tem taxas de financiamento baixas, mesmo que… países que fizeram um grande ajustamento orçamental, mas também países que não o fizeram. Acho que muito pouco está relacionado com a austeridade, se o pusermos assim. E vemos que em Portugal o rácio dívida/PIB tem aumentado. Portanto, as taxas não desceram porque a dívida melhorou, porque, de facto, não melhorou.

RAV: Portugal deveria ter um plano B para sair do Euro?

PK: Toda a gente deveria ter um plano num cofre. As coisas em Portugal não estão suficientemente más para seguir esse caminho, porque o custo de uma saída do euro, especialmente se não for planeada por todos e que tenha o apoio do resto da Europa, achamos que é muito alto. Defendi a saída da Grécia porque a Grécia está a sofrer muito mais. Na Grécia as coisas estão terríveis, inconcebivelmente terríveis. Aqui estão muito más, sofreu-se bastante aqui, mas na Grécia foi bem pior. Deveria haver um plano B, mas acho que… de facto, gostaria de imaginar que há um plano B. Sei que na Grécia tiveram um no final, mas deve existir. É algo que deve ser considerado, mas não aplicado e não pode ser divulgado na imprensa, não neste momento.
"Défice abaixo dos 3% é um erro"
FP: Os países da zona euro estão obrigados a cumprir determinadas metas. Por exemplo, um défice abaixo dos 3%. Concorda com estas regras?

PK: Não, não, não, de todo. Este é um grande erro. O problema da Europa em momento algum foi o de défices excessivos. Mesmo entre os países em crise, apenas a Grécia foi orçamentalmente irresponsável. Portugal foi-o um pouco, mas não a grande escala. Espanha não de todo. Por isso, a irresponsabilidade orçamental nunca foi um problema, foi um diagnóstico errado. E a austeridade excessiva está no cerne dos problemas europeus dos últimos cinco anos. Por isso, a ideia de colocar um colete-de-forças está mesmo muito errada. Portugal está a pagar taxas de juro cerca de 180 pontos base mais altas do que a Alemanha, continua a ser uma taxa de juro muito baixa. Nestas condições, tendo em conta todos os outros países, fazer do cumprimento do défice uma prioridade parece ser totalmente errado.

FP: Há muitos perigos externos a ameaçar a economia mundial. O novo normal na China, a crise nos mercados emergentes e uma possível subida das taxas de juro nos Estados Unidos. O mundo pode enfrentar uma nova depressão nos próximos anos? Estamos a assistir a um regresso da economia da depressão como classifica no seu livro?

PK: Quando falo em economia da depressão refiro-me a uma situação em que mesmo taxas de juro baixas não são suficientes e nós nunca deixamos esse estado. Não estamos numa depressão, mas estamos ainda na economia da depressão. Há oito anos. Não acho que uma depressão… aliás, mesmo uma crise ao estilo de 2008 não parece provável, a menos que me esteja a escapar algo. Mas há o risco de um novo abrandamento global. A China está claramente frágil, ainda não sabemos quão grave será. O problema dos mercados emergentes, para além da China, é significativo. As economias não são assim tao grandes, mas o Brasil está com problemas horríveis e os Estados Unidos parecem estar a fazer os mesmos erros do BCE de 2011, ao aumentar as taxas de juro demasiado cedo. E isso não será bom para o mundo se os meus piores medos se concretizarem. Acho que as possibilidades de um novo abrandamento mundial são grandes.
"Europa continua vulnerável"
RAV: Quão vulnerável está Portugal a estes riscos? Portugal, depois destes quatro anos de ajustamento, está melhor ou pior? Está mais preparado para enfrentar estes riscos?

PK: Acho que todos estão numa situação mais segura. Não estamos prestes a ter nova crise bancária como a anterior, apesar de Portugal se estar a deparar com problemas bancários complicados. Portugal recuperou alguma competitividade, mas não o suficiente. Basicamente, não acho que Portugal esteja em pior forma que a economia europeia, não em forma média, mas em termos do impacto de um abrandamento. Mas não é bom. A Europa, como um todo, é que continua vulnerável.

FP: Em relação à situação política, vemos o perigo da extrema-direita. Temos governos de extrema-direita na Finlândia, Hungria, Polónia… também a ameaça da Frente Nacional em França… temos a crise dos refugiados, a crise económica e financeira. O projeto europeu está em perigo?

PK: O projeto europeu está sem dúvida em perigo. Não de um colapso catastrófico, quero dizer, se as eleições de França tivessem corrido de forma diferente, eu diria algo diferente, mas provavelmente não vamos ter um governo Le Pen em França, não vamos ter uma quebra imediata. Mas há uma erosão contínua. A Hungria já é efetivamente um regime não-democrático no seio da Europa, os movimentos nacionalistas são assustadoramente fortes na Finlândia, em França - por isso, o progresso para uma europa mais democrática parou e até pode estar a andar ao contrário. É perturbador.

RAV: De volta a Portugal, imagine que nós, os dois jornalistas, somos do Governo português… um de nós é o primeiro-ministro, que tipo de conselhos nos daria?

PK: Não fiz o tipo de trabalhos de casa que gostaria de ter feito. Mas diria para procurarem formas - agora que estão a sair do resgate têm alguma margem orçamental - espaço para gastar, procurem bons investimentos. Para se preocuparem com as pessoas. Agora é o momento para pensar em investir no futuro, não apenas na necessidade de confortar os investidores ao mostrar a dor que conseguimos infligir. O espaço é limitado, mas tem de se fazer algo. Há pelo menos um pequeno espaço, usem essa margem de forma correcta, para pensar no futuro e não apenas para se defenderem dos ataques dos mercados.
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