Futuro da Ucrânia e credibilidade europeia em jogo na cimeira de líderes da União

"Se a União Europeia não for capaz de tomar uma decisão, mesmo que só por maioria qualificada, é a UE que fica em causa. Os tempos mudaram e ou a UE ajusta as ações às narrativas ou, se não o conseguir, fica claro que a Europa não é uma instituição capaz".

Andrea Neves - correspondente da Antena 1 em Bruxelas /
Olivier Hoslet - EPA

A frase não pode ser atribuída a uma fonte europeia. Neste caso, pode ser atribuída a várias porque quase todos sentem que, se os 27 falharem, se a União Europeia falhar, não é só a Ucrânia que fica em causa. É também a União Europeia como um todo, pouco tempo depois de o presidente norte-americano ter dito que estava decadente e tinha líderes fracos.

Não é só apoio à Ucrânia que está em causa a cimeira de chefes de Estado e de governo que se realiza esta quinta-feira em Bruxelas. É também a credibilidade da União Europeia como força política capaz de influenciar resultados e decisões.

Os Estados Unidos saíram de cena e Kiev precisa de apoio para prosseguir a guerra na defesa contra a invasão russa e poder chegar à mesa das negociações em situação de vantagem no terreno que, naturalmente, será vantagem nas negociações. Mas a Ucrânia fica sem dinheiro em maio, sem dinheiro para continuar a defender-se da agressão russa e sem dinheiro para pagar salários e manter a máquina administrativa em funcionamento.A Comissão europeia já decidiu que vai entregar a Kiev 90 mil milhões de euros durante dois anos, 45 mil milhões por ano. O resto, admite Bruxelas, virá de parceiros internacionais como o Canadá, a Noruega e o Reino Unido que já mostraram disponibilidade para continuar a apoiar a Ucrânia.

Com Volodymyr Zelenskyy em Bruxelas, para tentar convencer, na reunião, os países que não querem aprovar apoios à Ucrânia, há duas possibilidades em cima da mesa: usar os bens russos congelados na Europa como um empréstimo de reparações que a Ucrânia usaria para se defender e pagar salários, que só devolveria quando a Rússia pagasse os danos que está a causar na sua guerra de agressão; esse dinheiro seria então devolvido aos proprietários dos bens russos congelados.

No início da semana foi dado um passo fundamental: Bruxelas aprovou o congelamento dos bens russos imobilizados de forma prolongada e sem prazo definido.

Fê-lo para dar mais segurança à Bélgica e evitar que as sanções sobre os bens russos congelados tenham que ser revalidadas de seis em seis meses, que poderia levar a que da próxima vez que fosse preciso revalidar estas sanções, que precisam de unanimidade, a Hungria e a Eslováquia votassem contra.

Por isso, os Estados-membros aprovaram um procedimento escrito que permite que o dinheiro russo se mantenha congelado até decisão em contrário. Esta decisão, foi aprovada por maioria, e evitou os votos contra da Hungria e da Eslováquia na próxima cimeira. E evita futuros bloqueios destes dois países no que se refere à sanções que incidem sobres estes bem russos imobilizados.Na verdade, trata-se de utilizar todas possibilidades jurídicas e legais para que seja possível usar os bens russos congelados na Euroclear, uma instituição de depósitos de ativos mobiliários sediada em Bruxelas que detém mais de 200 mil milhões de euros de dinheiro russo imobilizado.

O presidente do Conselho Europeu saudou esta decisão na rede social X. Disse que é o primeiro passo para que os ativos russos imobilizados sejam usados num empréstimo à Ucrânia.


Uma possibilidade que não precisa de unanimidade para ser aprovada e que conta com o apoio de Portugal referiu em Bruxelas o ministro das finanças Joaquim Miranda Sarmento.

“Apoiamos a proposta da comissão dos empréstimos com base em reparações de guerra que a Rússia venha a pagar à Ucrânia quando a guerra terminar. Creio que está a ser feito um trabalho muito significativo pela comissão e pelos 27 Estados-membros para que seja possível, no próximo Conselho Europeu, chegar a um acordo”.

A ideia é usar os bens russos que estão congelados na Euroclear, uma agência de depósitos de bens mobiliários sediados na Bélgica, num empréstimo à Ucrânia sem que seja necessário recorrer a um empréstimo conjunto pelos 27.

Um novo empréstimo implicaria nova dívida conjunta e uma decisão por unanimidade que nem Budapeste nem Bratislava não estão dispostos a apoiar.
O enquadramento legal

A Bélgica, onde está sediada a Euroclear, exige fortes medidas de segurança financeira e garantias de que não terá que responder sozinha se por algum caso um tribunal decidir que os bens russos congelados têm que ser devolvidos. Afinal, estamos a falar de um valor igual a um terço do PIB belga.

É nisso que se tem trabalhado mas isso implica uma legislação concreta, sólida e sem lacunas que não vai ficar pronta a tempo da cimeira de chefes de Estado e de governo. Mas os 27 querem já decidir por uma das possibilidades apresentadas pela Comissão Europeia – dívida conjunta ou utilização dos bens russos congelados – e dar depois ao executivo comunitário um prazo para definir todas as bases e pontos legais de forma que a primeira entrega à Ucrânia possa acontecer em Abril, antes de Kiev ficar sem sado de tesouraria.A Bélgica quer que os ativos russos congelados noutros países da união, mesmo que e valores reduzidos, possam também ser chamados a esta solução.


Há fontes comunitárias que admitem variações e soluções mistas: empréstimos bilaterais, uma mistura entre dívida conjunta e bens russos congelados, a possibilidade de os outros estados se comprometerem a contraira dívida conjunta para ajudar a Bélgica se por alguma razão fosse obrigada a devolver esses ativos a Moscovo.

O eventual empréstimo também terá clausulas condicionais sobre a forma como a Ucrânia vai usar o dinheiro: para pagar contas gerais do Estado, sim, para se defender e preferencialmente para reforçar a base da indústria de defesa europeia, admitindo-se que, no caso de esta não conseguir responder e de as necessidades serem urgentes, se possa recorrer à aquisição de materiais norte-americanos.

O entendimento não parece fácil mas o presidente do Conselho Europeu reafirma que a reunião vai durar até que haja um acordo. “Nem que seja preciso ficarmos aqui até sábado”, chegou a dizer António Costa.
Bruxelas considera infundada a ação judicial de Moscovo contra a Euroclear

Moscovo anunciou entretanto uma ação judicial contra a Euroclear num tribunal da capital russa por causa do que considera serem ações ilegais que impedem a Rússia de usar os 185 mil milhões de euros congelados.

"As ações da depositária Euroclear causaram prejuízos ao Banco da Rússia, impedindo-o de administrar os fundos e títulos que lhe pertencem", pode ler-se num comunicado russo.

O comissário da Economia já veio dizer que é uma ação especulativa e infundada e que as instituições financeiras sediadas na União Europeia estão protegidas contra as ações judiciais russas. Valdis Dombrovskis afirmou que, “no geral, a nossa proposta é juridicamente sólida e está totalmente em conformidade com o direito da UE e o direito internacional público. Os ativos não são confiscados e o princípio da imunidade soberana é respeitado”.

“Podemos esperar que a Rússia continue a instaurar processos judiciais especulativos para impedir que a UE faça cumprir o direito internacional e para exigir o cumprimento da obrigação legal da Rússia de indemnizar a Ucrânia pelos danos que causou”.
Uma comissão internacional de reclamações para Ucrânia

A Comissão Europeia, representada pela vice-presidente Kaja Kallas e pelo comissário para a Democracia, Justiça, Michael McGrath, assinou na tarde de quarta-feira a Convenção que estabelece a Comissão Internacional de Reclamações para a Ucrânia em nome da União Europeia.

Esta assinatura representa um marco importante nos esforços coletivos da Europa para garantir a responsabilização e a justiça para a Ucrânia e o povo ucraniano, assegurando que as vítimas da brutal guerra de agressão da Rússia sejam devidamente compensadas.A assinatura ocorreu no contexto de uma conferência diplomática organizada pelo Conselho da Europa e pelos Países Baixos, e contou com a presença do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.

Esta Comissão de Reclamações será responsável por analisar, avaliar e decidir sobre as reclamações de indemnização por danos, perdas ou lesões causadas pela Rússia na Ucrânia. Será também responsável por determinar o montante da indemnização devida em cada caso.

A Comissão de Reclamações baseia-se no trabalho já realizado pelo Registo de Danos, criado em maio de 2023, para registar as reclamações elegíveis.

Como etapa final, a Comissão está a discutir com os seus parceiros internacionais vias jurídicas para a criação de um fundo de indemnização que assegure que a Rússia indemnize diretamente a Ucrânia pelos danos causados.

"Tenho o prazer de anunciar que a União Europeia disponibilizará até um milhão de euros para custear os trabalhos preparatórios”, referiu a chefe da diplomacia europeia. “Entretanto, os ucranianos podem continuar a apresentar pedidos de indemnização no registo de danos”.

“O maior desafio é o financiamento. A Rússia nunca pagará voluntariamente pelos danos que causou. Já vemos tentativas de excluir reparações e qualquer forma de responsabilização decorrente de um potencial acordo de paz”, recordou Kaja Kallas.

“Visto que entre 260 e 280 mil milhões de euros em ativos soberanos russos estão congelados fora da Rússia" – reforça a alta representante da Comissão Europeia para a Política Externa – “é impensável que este dinheiro seja algum dia devolvido, não com os danos que a Rússia causou e continua a causar ao recusar-se a depor as armas”.

Desde o início da invasão em larga escala da Ucrânia pela Rússia, a comunidade internacional tem-se empenhado em garantir que a Ucrânia e os seus cidadãos possam reclamar reparações ao abrigo do Direito Internacional.Paralelamente, estão em andamento os trabalhos para a criação de um Tribunal Especial para responsabilizar os líderes políticos e militares russos pelo crime de agressão contra a Ucrânia.

A União Europeia também apoia as autoridades ucranianas, como a Procuradoria-Geral da Ucrânia, para reforçar as capacidades de investigação e julgamento de crimes internacionais cometidos na Ucrânia, inclusive através da Missão Consultiva da UE.

Além disso, a UE disponibilizou financiamento adicional ao Tribunal Penal Internacional para o seu trabalho na Ucrânia com o objetivo de apoiar as suas capacidades de investigação e ampliar a sua infraestrutura de armazenamento e processamento de dados.
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