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Deputados alemães ameaçados de morte por reconhecerem genocídio arménio

por RTP
O deputado alemão Cem Özdemir, líder parlamentar dos verdes, alvo de ameaças de morte dos nacionalistas turcos Tobias Schwar, Reuters

Dois dias antes de o parlamento alemão reconhecer formalmente o genocídio do povo arménio pelo Império Otomano, milhares de e-mails chegam às mãos dos deputados - uns com protestos, outros com ameaças. O presidente turco não enviou nenhuma das mensagens, mas fez um telefonema à chanceler alemã, a protestar contra a resolução projectada.

Os milhares de e-mails de protesto têm sido enviados por cerca de cinco centenas de associações turcas sediadas na Alemanha, sob o chapéu da Comunidade Turca de Berlim. Eles inspiram-se numa mensagem, citada em Der Spiegel, que considera a resolução como "veneno para a coexistência pacífica entre alemães e turcos neste país, mas também na Turquia".
A campanha das organizações turcas
O texto prossegue, afirmando: "Mais de 90 por cento do povo turco rejeita acertadamente a acusação de genocídio e considera-a uma calúnia". Seguidamente, apela-se a que os cidadãos turcos enviem por fax ou por e-mail mensagens de protesto aos deputados federais alemães.

A mensagem está assinada por grupos ligados a partidos tão diversos como os Democratas Euro-Turcos (UETD, uma cisão do partido governamental AKP); a União Islamo-Turca para a Religião (Ditib); o partido de oposição CHP; e o partido de extrema-direita "Lobos Cinzentos".

O apelo a que sejam enviadas mensagens de protesto tem obtido um eco alargado e vem sendo seguido à letra. Em especial os deputados de origem turca no Bundestag (parlamento alemão) têm sido tratados por e-mail, twitter ou facebook, com expressões como "traidor", "porco arménio", filho da p...", "terrorista arménio" ou "nazi", segundo disse à cadeia de televisão ARD Cem Özdemir, o líder parlamentar dos Verdes.

Algumas dessas mensagens, enviadas a políticos e jornalistas, vão mais longe, dizendo por exemplo: "Tu tens de ser eliminado". Ou então: "O teu fim vai ser como o de Hrant Dink [jornalista turco de origem arménia assassinado em Istambul, em 2007, por um jovem de extrema-direita]".

A resolução que vai na quinta feira ser proposta à votação do Bundestag foi objecto de acordo entre democratas-cristãos, social-democratas e verdes. Ela aplica por várias vezes a expressão "genocídio" ao extermínio de cerca de 1,5 milhões de arménios em 1915 e 1916. Esse morticínio ou deportação de população civil arménia, e de outras minorias cristãs, é parcialmente justificado pelo Governo turco com o argumento de a Arménia ser um país beligerante na Primeira Guerra Mundial, em confronto com o Império Otomano, que é antecessor do actual Estado turco.
A resposta da comunidade arménia
Também a comunidade arménia tem enviado para os parlamentares do Bundestag milhares de e-mails, exortando-os a reconhecerem finalmente a existência de um genocídio em 1915 que constituiu precedente grave para o Holocausto. O tom dos e-mails arménios é "agressivo" e revela frustração mas, segundo os deputados, não contém ameaças.

A frustração explica-se em parte pelo facto de já ter estado sobre a mesa no ano passado uma resolução semelhante e de ela ter sido retirada para não melindrar o Governo turco.

O projecto de resolução de 2016 surge num momento em que a Turquia tem nas mãos um poderoso meio de pressão adicional - o acordo sobre os refugiados, para o qual o país nas margens do Bósforo é suposto desempenhar o papel de barreira, impedindo-os de prosseguirem a caminho da Europa. Alguns dos deputados alemães já anunciaram que não estarão presentes à votação, por considerarem insensato hostilizar a Turquia.

Há um século atrás, a deportação em massa e extermínio de centenas de milhares de arménios foi levada a cabo com o conhecimento do Governo alemão, que tinha o Império Otomano como aliado na Primeira Guerra Mundial. Mas, apesar dos melindres turcos e mesmo alemães, que o texto suscita, dá-se como praticamente certo que haverá, desta vez, suficiente maioria para aprová-lo.
A campanha do Governo turco e o destino dos refugiados
Em todo o caso, o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, não baixa os braços na luta contra a resolução, reforçado pelo já citado factor adicional que é o papel da Turquia no dispositivo de retenção dos refugiados fora da Europa.

Segundo o diário turco Hurriyet, Erdoğan telefonou hoje à chanceler alemã, Angela Merkel, para avisá-la dos efeitos negativos que tera aprovação do projecto teria nas relações "económicas, políticas e militares" entre os dois países.

Em conferência de imprensa, o presidente turco disse confiar que todos estes factores serão ponderados numa "decisão que ainda não foi tomada".

Por seu lado, Merkel tinha telefonado ao novo primeiro ministro turco, Binali Yıldırım, para felicitá-lo pela sua nomeação e logo nesse telefonema teve também de ouvir amargos reparos do neófito chefe do Governo contra a iminente aprovação do projecto sobre o genocídio arménio.

Fontes citadas pelo Hürryiet referem ainda que Yıldırım invocou precisamente o acordo sobre os refugiados, dizendo que "a Turquia tem estado a cumprir a sua parte nesta questão e esperamos que a UE cumpra os seus compromissos em questões como a isenção dos vistos e antes de mais o apoio financeiro que prometeu aos refugiados sírios".
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