Militares guineenses sob pressão excluem regresso de Gomes Júnior ao poder

por RTP
À ameaça de mais medidas sancionatórias da União Africana soma-se a expectativa em redor de uma reunião que o Conselho de Segurança das ONU vai dedicar à Guiné-Bissau André Kosters, Lusa

Cresce a pressão movida por chancelarias e organizações internacionais e regionais ao autodesignado Comando Militar da Guiné-Bissau, a estrutura saída do Estado-Maior das Forças Armadas que reivindicou o golpe de Estado em curso há quase uma semana. Nações Unidas, União Africana e Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) exigiram, uma após outra, o retorno à “ordem constitucional” e a libertação a breve trecho do primeiro-ministro, Carlos Gomes Júnior, e do Presidente interino, Raimundo Pereira. Mas a instabilidade adensa-se. “Fora de questão”, insistem os golpistas, está o regresso de Gomes Júnior à liderança do poder executivo. Assim como a segunda volta das eleições presidenciais, inviabilizada pela ação armada.

Agora suspensa pelo Conselho da União Africana para a Paz e Segurança e debaixo de um apertado escrutínio internacional e regional, a Guiné-Bissau permanece - cinco dias após decapitação dos órgãos do poder político e da liderança do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) - mergulhada na indefinição.

Depois de uma delegação liderada pelo presidente da Comissão da CEDEAO, Desire Kadre Ouedraogo, ter deixado Bissau a afiançar que os militares estariam abertos a restabelecer a ordem constitucional, nada indicia que isso possa acontecer num horizonte próximo, ou que o Comando Militar venha a criar condições para a realização da segunda volta das eleições presidenciais. O que implicaria, de resto, a libertação do primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, candidato à Presidência com o apoio do PAIGC, e do Chefe de Estado interino, Raimundo Pereira.

“Aquilo que a Comissão [da CEDEAO] pediu foi a libertação imediata e a Comissão disse que os militares aceitaram. Mas afinal, mais de 24 horas depois de a Comissão ter abandonado o país, ainda não há qualquer libertação. E mais: continua sem se saber do paradeiro. Enquanto que o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior já foi visto por algumas pessoas, incluindo elementos da Cruz Vermelha, Raimundo Pereira nunca foi visto e crescem os rumores acerca do estado de saúde”, assinalava esta quarta-feira, no Bom Dia Portugal, o correspondente da RTP em Bissau, Fernando Teixeira Gomes.

À ameaça de mais medidas sancionatórias da União Africana soma-se agora a expectativa em redor dos resultados de uma reunião que o Conselho de Segurança da ONU vai dedicar amanhã ao golpe de Estado na Guiné-Bissau. No passado sábado, ao cabo de uma longa reunião ministerial em Lisboa, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) redigiu uma resolução de 11 pontos a defender a criação de uma “força de interposição” dotada de um “mandato definido pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas” e “em articulação com a CEDEAO, a União Africana e a União Europeia”. Em Nova Iorque, a organização dos países lusófonos vai estar representada pelo ministro angolano das Relações Exteriores, Georges Chicoti.
“Fora de questão”
Outras movimentações diplomáticas ocorridas nas últimas horas tiveram origem em Pequim e Pretória. Do regime chinês saiu uma declaração de apoio aos “esforços da CPLP e da CEDEAO para mediar a questão” guineense e de condenação da “tomada do poder pela força”. Mas sem qualquer referência à fórmula de uma força de interposição, por necessidade de “mais informação”. Já o Governo sul-africano fez publicar uma nota na qual “deplora o golpe de Estado”: “O facto de o aparelho militar da Guiné-Bissau estar a tentar impor ao país o domínio dos militares através da imposição de um Governo de transição constitui uma preocupação particular para a África do Sul”.

Em entrevista à RTP África, o tenente-coronel Dabana Na Walna, que se tem assumido como porta-voz do Comando Militar, admitia ontem que “o golpe de Estado é uma solução inconstitucional”. Para contrapor que o mais recente afastamento pela força da liderança política do país teve como justificação “o direito à vida própria”. E reiterar a acusação de que haveria um alegado plano, com as chancelas de Carlos Gomes Júnior e Raimundo Pereira, para um ataque de tropas angolanas às Forças Armadas da Guiné-Bissau.

“Não há razão que justifique um golpe de Estado. Mas pergunto: e há razão que justifique, num país que não está em guerra, que o Presidente ou o primeiro-ministro mande vir tropas estrangeiras, sem conhecimento do Conselho de Ministros, sem conhecimento da Assembleia Nacional, mas através de uma carta secreta que é trazida por um ministro dos Negócios Estrangeiros de outro país que tem interesses económicos na Guiné-Bissau?”, questionou-se Dabana Na Walna.

No programa Repórter África, o oficial guineense condicionou ainda a libertação do primeiro-ministro e do Presidente interino à criação de “condições de segurança”. Algo que foi transmitido à CEDEAO, indicou o porta-voz. “Como se sabe ainda não temos nenhum Governo. Se houver um Governo e houver um ministro interino e a situação voltar à calma, nessa altura o Carlos Gomes Júnior poderá voltar para sua casa e será garantida alguma segurança durante algum tempo razoável para que, depois disso, ele possa estar novamente como qualquer cidadão”, afirmou.

À Rádio Nacional da Guiné-Bissau, Dabana Na Walna disse que ficou “bem claro”, nas conversações com a delegação da CEDEAO, que “está fora de questão” a realização da segunda volta das eleições presidenciais. Tal como “está fora de questão o retorno de Carlos Gomes Júnior”. Acertado com a missão liderada por Ouedraogo, indicou o porta-voz do Comando Militar, terá ficado o envio de uma “equipa técnica” a Bissau com o propósito de “encontrar uma solução por via da Constituição”.
“Envolvimento direto e assumido”
Afastado de sucessivas rondas de negociações – até agora infrutíferas - entre os militares golpistas e forças políticas da Oposição, o PAIGC pronunciou-se na última noite com um comunicado a condenar “veementemente” o golpe de 12 de abril e a acusar diretamente o líder e candidato presidencial do Partido para a Renovação Social (PRS), Kumba Ialá, de “envolvimento direto e assumido” na operação armada.

O “bureau político” do maior partido guineense reservou ainda aos candidatos Serifo Nhamadjo, Henrique Rosa, Afonso Té e Serifo Baldé, afastados à primeira volta das presidenciais, a acusação de “incitação e execução” do golpe de Estado. No documento, que resume a agenda de uma reunião ocorrida na véspera, o partido de Carlos Gomes Júnior queixa-se de uma “campanha de perseguição, intimidação e vandalização de residências e bens particulares, movida contra as autoridades legítimas e dirigentes do PAIGC, a mando do autodenominado Comando Militar”.

O PAIGC exigiu também a “reposição imediata da ordem constitucional e democrática” e a libertação “imediata e incondicional” do primeiro-ministro e do Presidente interino, fechando a porta a “toda a proposta ou solução extra-democrática e anticonstitucional”.

Na segunda-feira, Kumba Ialá reproduzira um comunicado dos cinco candidatos que contestaram o escrutínio que reprovava “firmemente a sublevação militar” e, ao mesmo tempo, acusava a CPLP de ter proferido “insultos” numa “demonstração de pura ignorância ou conveniência”, ao querer fazer dos adversários políticos de Gomes Júnior um “bode expiatório do golpe de Estado”. Isto depois de a presidência angolana da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa ter ameaçado quaisquer candidatos contestatários que estivessem “implicados” no golpe com processos no Tribunal Penal Internacional.

O grupo encabeçado pelo antigo Presidente da Guiné-Bissau sublinhou que a comunidade internacional, desde logo a CPLP, reagiu, no passado, com passividade aos “assassinatos de políticos eminentes”, casos de Nino Vieira, Tagmé Na Waié, Hélder Proença e Baciro Dabó. Ou a mortes mais recentes, nomeadamente de Iaia Dabó e Samba Djaló.
pub