Deco chumba higiene dos talhos, comerciantes queixam-se de perseguição

por Sandra Salvado - RTP
Rafael Marchante - Reuters

Temperatura elevada, aditivos alergénicos escondidos, bactérias como a salmonella e outras de origem fecal, má higiene e conservação. São estes os dados compilados num estudo da Deco – Associação para a Defesa do Consumidor aos hambúrgueres frescos feitos em talhos de Lisboa e do Porto. A Associação dos Comerciantes do Concelho de Lisboa e Outros já veio dizer que esta análise é abusiva e "não é amostragem de coisa nenhuma". Já o inspetor-geral da ASAE diz que este é um sector com algumas falhas identificadas, mas considera o acompanhamento suficiente.

O estudo da Deco, divulgado esta segunda-feira, teve em conta uma amostra de 25 talhos de Lisboa e do Porto. A Associação para a Defesa do Consumidor já apelou aos consumidores para que não comprem hambúrgueres com carne previamente picada nos talhos, pelo facto de conterem bactérias nocivas e aditivos alergénicos usados para dar ao produto a aparência de frescura.

Os sulfitos podem provocar alergias, náuseas, dores de cabeça, problemas de pele, digestivos e respiratórios, alertou a Deco, acrescentando que a reação alérgica pode, embora em casos muito raros, ser potencialmente mortal.

A estrutura refere ainda que identificou carne guardada a temperaturas demasiado altas, "milhões de bactérias por grama", entre as quais salmonella e outras de origem fecal, demasiada gordura e sulfitos usados ilegalmente como conservantes.

“Em princípio, esta bactéria [salmonella] só é problemática se os alimentos não forem bem cozinhados. Ainda assim, quando em contacto com outros alimentos crus (por exemplo, queijo), pode pôr em risco a saúde dos consumidores”, refere o mesmo estudo.
"Lamentável"

Marianela Lourenço, secretária-geral da Associação dos Comerciantes do Concelho de Lisboa e Outros, disse à RTP que considera "lamentável" que isto se passe todos os anos.

"É um relatório absolutamente destrutivo em relação aos talhos quando faz análise a 25 talhos de Lisboa e do Porto. Não é uma amostragem de coisa nenhuma e faz uma análise à tangente das grande superfícies. Aí ninguém faz absolutamente nada".

Esta responsável do sector considera que os talhos de rua são inspecionados mensalmente quer pelos elementos veterinários da Câmara, quer pela ASAE, e não compreende por que motivo "são sistematicamente visados pela Deco"."Como não podem fazer concorrência com as grandes superfícies, são os talhos de rua os consumidores da carne nacional. É exatamente aí que está a diferença".

E acrescenta: "São de tal modo abusivos nos relatórios que apresentam em relação aos talhos de rua que eu penso que não há coincidências. Há uma defesa persistente das grandes superfícies. Os talhos de rua têm carne de qualidade. São eles que consomem a carne nacional quer de porco, vaca ou borrego".

Já em relação à temperatura Marianela Lourenço considera que "é muito relativa" e questiona: "Foram a um sócio nosso às 9h05 da manhã. A que horas é que chegaram com a carne para fazer a análise? Aí a Deco não diz. Fizeram esta amostragem entre os meses de setembro e outubro, em que esteve muito calor. Quando foram comprar a carne não levavam saco térmico. Como é que podem fazer uma prova dessas da temperatura?".

A secretária-geral da Associação dos COmerciantes do Concelho de Lisboa e Outros elogia ainda os talhos de rua, para dizer que fazem um "atendimento personalizado e cuidadoso".
Os dados

A Deco salienta que a destruição das fibras musculares "torna o produto mais perecível".

"Os hambúrgueres que adquirimos estavam a ser vendidos a temperaturas muito elevadas, ou seja, estavam reunidos os requisitos para uma rápida disseminação de microrganismos e para a degradação do alimento”, adverte a Associação.

Entrevistado na RTP3, Nuno Lima Dias, gestor de projetos na área alimentar da Defesa do Consumidor, aprofundou os resultados de um estudo da estrutura que revelou deficiências de higiene e confeção em talhos portugueses. Acentuaram-se os "resultados catastróficos" já constatados em 2015.

"Não estávamos à espera, talvez, de um número tão grande de estabelecimentos em infração legal, até porque o problema já tinha sido alertado, quando do nosso teste da carne picada, e seria suposto melhorar alguma coisa", vincou o responsável da Deco.

"A verdade é que o panorama continua péssimo com consequências para os consumidores".

“A esmagadora maioria dos talhos vende hambúrgueres com problemas idênticos aos que apontámos no nosso estudo da carne picada, no início de 2015, em que visitámos 26 talhos. Se a carne não deveria ser comprada já picada, os hambúrgueres feitos no talho também não”, referiu Nuno Lima Dias.




Falhas na fiscalização
Nuno Lima Dias diz que há falhas na fiscalização e que não estão reunidas as condições para a venda destes alimentos.

“A própria legislação, como já aconteceu nos anos 80 e 90 do século passado, interditava a venda de carne previamente picada e os seus produtos aos consumidores. Essa Lei foi revogada, com a Deco Proteste contra, e a verdade é que nós tínhamos razão”.

Tal como fez em 2015, a Deco vai agora alertar a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica: “Esperemos que os resultados sejam encarados como um instrumento a ter em conta pelas entidades que podem intervir junto dos comerciantes e garantir o acesso dos consumidores a alimentos de boa qualidade”.

Apesar de ainda não conhecer o relatório da Deco, o inspetor-geral da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) disse à RTP que “é um contributo" a ter em conta, logo que seja conhecido em detalhe.
"Nenhuma emergência alimentar"
Pedro Portugal Gaspar admite que se trata de um sector identificado "com algumas situações de falhas". Mas o acompanhamento, garante, está a ser feito e é suficiente.

"Com os dados que temos, não estamos perante nenhuma situação de emergência alimentar ou que seja declarada uma situação de exceção de quadro de ordem de consumo", afirmou.

“Temos que fazer a devida ponderação destes fatores e de facto existindo algumas situações de incumprimento que estão identificadas no passado, no presente e certamente no futuro próximo, não podemos cair num extremo de alarmismo e de situação de consequências económicas desequilibradas”.

Quanto a uma possível alteração à lei, o inspetor-geral da ASAE diz que o atual quadro "é aquele que, neste momento, o legislador considerou adequado, mas naturalmente que poderá evoluir num entendimento. Para isso teria que haver uma intervenção multissectorial".

E acrescentou: "Não me compete a mim dar uma resposta sobre o enquadramento legislativo, mas consequentemente temos que ter a consciência que as leis nunca são de facto imutáveis".

Sobre o facto de o Governo tencionar rever a legislação que regulamenta a comercialização de carne picada, a tutela disse à RTP que a comercialização deste produto se encontra "regulamentada por abundante enquadramento legal para este tipo de atividade, nomeadamente, quanto às características a que deve obedecer o produto, a respetiva embalagem e rotulagem”.

Em nota enviada à RTP, o Governo refere ainda que do ponto de vista microbiano, “aplicam-se as disposições do regulamento n.º 2073/2005 de 15 de novembro e suas alterações. Quanto à deteção de sulfitos em preparados de carne, poderá ocorrer caso o preparado contenha pelo menos 4% de cereais e/ou outros produtos vegetais misturados com a carne, conforme o disposto no regulamento n.º 1333/2008”.

O Governo adiantou ainda que não tenciona proibir a venda deste tipo de produto.

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