Investigação explica por que continua a ilha de Santa Maria a erguer-se acima dos fundos marinhos

por Ricardo Ramalho*
Rui Coutinho

Um artigo publicado no Boletim da Geological Society of America apresenta pela primeira vez uma explicação para o fenómeno que há muito intriga os geólogos: por que continua a ilha de Santa Maria a erguer-se, apesar de a sua actividade vulcânica se encontrar extinta há milhões de anos? Ricardo Ramalho, primeiro autor do artigo, resume para os leitores do site da RTP as principais conclusões que aí são apresentadas.

O nosso artigo essencialmente mostra que ilhas vulcânicas podem continuar a “elevar-se” acima do nível médio das águas do mar, por processos de crescimento interno, muito depois do vulcanismo (à superfície) ter cessado a sua actividade.

Para melhor compreender: a evolução de ilhas vulcânicas é tipicamente pautada por um balanço entre actividade construtiva (vulcanismo) e actividade destrutiva (erosão). Quando a actividade vulcânica consegue construir a ilha mais rápido do que a erosão a consegue destruir, a ilha cresce. Por oposição, quando se dá o contrário (ou o vulcanismo simplesmente cessa) então a ilha começa a diminuir de tamanho, ao ser erodida pela acção das ondas, águas pluviais etc.

A este cenário junta-se outro factor que pode “acelerar” ou “desacelerar” estes processos de construção e destruição: os movimentos verticais (ao longo do tempo geológico) que afectam essa ilha.

Por exemplo, se a ilha estiver a sofrer subsidência (como acontece com a maioria das ilhas vulcânicas, e.g. São Miguel, que se “afunda” a uma taxa de cerca 1 mm/ano), o processo de diminuição de tamanho da ilha é assim acelerado (devido à sua forma cónica); por oposição, se uma ilha estiver a sofrer movimentos de soerguimento/uplift, este processo de destruição é desacelerado/atenuado, podendo a ilha estar mesmo a aumentar de tamanho, devido a estes movimentos verticais.

Aquilo que fizemos neste estudo foi reconstruir a história geológica da ilha de Santa Maria desde a sua primeira emergência acima do nível do mar, há cerca de 6 milhões de anos, até à actualidade. Aquilo que descobrimos é que a ilha nos seus primeiros 2.5 milhões de anos essencialmente sofreu subsidência à medida que a actividade vulcânica a fazia crescer (sendo este o comportamento expectável para uma ilha vulcânica, especialmente quando é construída sobre fundos marinhos jovens, que eles próprios estão a sofrer subsidência).

Foto de Ricardo Ramalho

Depois, houve uma altura, entre cerca de 5.3 e 4.1 milhões de anos, em que a actividade vulcânica cessou e em que o edifício insular chegou mesmo a ser arrasado e foi submergido (deixando de ser ilha), tendo posteriormente emergido uma segunda vez devido a um recrudescer da actividade vulcânica, que foi capaz de compensar a subsidência e erosão, formando uma nova ilha.

É então, aos 3.5 milhões de anos, que a história se torna mais interessante. Nesta altura o vulcanismo diminuiu de intensidade (tendo mesmo cessado aos 2.8 milhões de anos) e ilha reverteu a sua tendência de subsidência, para uma trajectória de soerguimento (uplift) lento que se manteve até aos dias de hoje (ou pelo menos até muito recentemente), que levou à subida lenta da ilha, i.e. ao seu “crescimento” mas por puro levantamento e não por processos de construção vulcânica.

É este comportamento – soerguimento aproximadamente contemporâneo do final da actividade vulcânica – que sai fora do padrão expectável, que chamou a nossa atenção.

A nossa interpretação é que a actividade magmática não cessou (apesar da “extinção" do vulcanismo), mas sim passou a dar-se de um modo intrusivo, i.e. o magma em vez de chegar à superfície e gerar actividade vulcânica, passou a ser intruído (ou a acumular-se, se preferir) na base do edifício vulcânico, forçando a ilha a subir. A razão para esta mudança é ainda enigmática e carece de mais investigação.

Foto de Ricardo Ramalho

Na realidade este processo não é visto como novo - já foi reportado para Cabo Verde e Madeira (nalguns dos nossos trabalhos anteriores) e nas Canárias (por colegas nossos) e mais raramente noutros arquipélagos. O que é novidade aqui, é este processo estar a dar-se numa ilha dos Açores, que se esperava estar em franca subsidência, como aliás estão as outras ilhas deste arquipélago.

Os restantes arquipélagos (Madeira, Canárias e especialmente Cabo Verde) encontram-se sobre um fundo marinho antigo, mais estável e do qual já não se espera grande subsidência, sendo assim menos surpreendente que actividade magmática seja capaz de tal soerguimento nas ilhas que se encontram neste contexto.

* Investigador da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa
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