Número de doentes em psiquiatria com ideias suicidas dispara na crise

por Carlos Santos Neves - RTP
Idosos, desempregados e pobres foram os mais atingidos no que à saúde mental diz respeito Rafael Marchante - Reuters

De 2007 a 2012 cresceu em aproximadamente 70 por cento o número de utentes em consultas de psiquiatria com pensamentos de suicídio. O cálculo é de uma investigação que envolveu as universidades de Coimbra e Nova de Lisboa. Por outro lado, idosos, desempregados e pessoas de baixos rendimentos foram os mais atingidos no que à saúde mental diz respeito.

A abordagem de dados de consultas e internamentos em serviços de psiquiatria das áreas metropolitanas do Porto e de Lisboa foi uma das componentes do projeto Smaile (Saúde Mental – Avaliação do Impacte das condicionantes Locais e Económicas).
O estudo, divulgado pela agência Lusa, refere um crescimento de 52 por cento nas consultas a pessoas que tentaram – pelo menos uma vez - o suicídio.

O que o estudo concluiu é que, entre os anos de 2007, na antecâmara da crise, e 2012, já em pleno sismo financeiro e económico, o número de utentes dos serviços de saúde em causa com pensamentos suicidas aumentou em 67 por cento.

Os grupos de utentes suicidas com crescimentos mais expressivos nos internamentos foram o das mulheres dos 50 aos 64 anos de idade e o dos homens dos 30 aos 49 anos, com subidas de 52 e 34 por cento, respetivamente.
Mulheres, “grupo mais vulnerável”

Em declarações citadas pela Lusa, Graça Cardoso, psiquiatra e investigadora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, com participação neste estudo, explicou que a incidência nas mulheres dever-se-á a “uma alta taxa de ocupação” profissional neste segmento da população portuguesa, relativamente aos demais países da Europa.

“Aspetos como redução de salários, despedimentos e dificuldades na gestão do orçamento familiar poderão ter tido um efeito particularmente intenso neste grupo”, escrevem os autores do estudo.

A combinação entre um quadro de apuros económicos e o “papel social que as mulheres desempenham”, acrescentam os investigadores, pode acabar por fazer destas um “grupo mais vulnerável”, no momento em que a crise bate à porta.
Jovens com a “pior saúde mental”
Outro dos estudos do projeto Smaile partiu de um inquérito a 1.609 residentes nos municípios de Amadora, Lisboa, Mafra e Oeiras. E permitiu concluir que são os jovens abaixo dos 35 anos de idade, desempregados e com mais altos níveis de habilitações académicas aqueles que “que reportam pior saúde mental”.

O investigador da Nova School of Business and Economics Pedro Pita Barros, igualmente citado pela agência de notícias, associa esta conclusão às “expectativas criadas com o acesso à formação superior, que sendo mais elevadas constituem um choque maior quando se dá a situação de desemprego”.

Mas admite ser necessário “trabalho futuro para perceber melhor se é uma questão de expectativas ou se é outra justificação”.
Outros dados
Em suma, dos estudos do projeto Smaile sobressai o retrato de uma crise com particular impacto na saúde mental de desempregados, idosos e pessoas com rendimentos reduzidos. Mas também de pessoas mais suscetíveis de isolamento social, nomeadamente viúvos, divorciados e solteiros.

Entre 2007 e 2012, por exemplo, o aumento das consultas de psiquiatria nas áreas de Lisboa e Porto foi transversal a solteiros, viúvos, desempregados, estudantes, reformados e pessoas inativas – os crescimentos foram, respetivamente, de 45, 30, 63, 63, 27 e 38 por cento.

Graça Cardoso salienta que, “em momentos de crise, há que garantir serviços e apoios para minimizar” impactos. Ora em Portugal, reprova a psiquiatra, “cortou-se a eito, com pouco cuidado e deixando desprotegidas as pessoas que já estavam mais vulneráveis”.

O projeto Smaile é coordenado por Paula Santana, do Centro de Estudos em Geografia e Ordenamento do Território da Universidade de Coimbra, e colige diferentes estudos que incidem sobre “o efeito das condicionantes locais e económicas na saúde mental e no uso dos serviços de saúde mental em tempos de crise”. Foi financiado pelo Programa Operacional Fatores de Competitividade e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia.
Tópicos
pub