Intervenções de Sócrates e Costa acentuam pressão sobre Seguro

por RTP
“O PS está de boa saúde e recomenda-se”, afiançava na passada quarta-feira António José Seguro, depois de a sua liderança ter sido criticada por Carlos César Mário Cruz, Lusa

A pouco mais de três meses das eleições europeias, agudiza-se a pressão interna sobre a liderança do PS, com as vozes de José Sócrates e António Costa a preencherem o espaço público com recados a António José Seguro. À ideia de que o maior partido da oposição “está de boa saúde”, expressada esta semana pelo secretário-geral socialista, António Costa responde com um aviso contra o “desgaste” de potenciais cabeças de lista “na praça pública”. José Sócrates é mais comedido e prefere concentrar a desilusão na Presidência francesa. Mas não deixa de sublinhar ter “a maior expectativa”.

“O PS podia estar-se a posicionar melhor para estas eleições” – a avaliação é de António Costa. O palco escolhido para novo aviso à navegação socialista foi o programa Quadratura do Círculo, transmitido na última noite pela SIC Notícias.A “pressão sobre o programa político” do PS está também em destaque na edição desta sexta-feira do i. Entre as afirmações ontem proferidas por José Sócrates no ISCTE o jornal captou mais uma fórmula utilizada pelo agora comentador político da RTP para explicar o seu regresso à arena mediática: é uma “batalha pela verdade histórica”.


O antigo ministro, que há um ano contestava abertamente o rumo da liderança do PS e a forma como esta geria o legado da governação de José Sócrates, disse mesmo ser “difícil compreender não só não ter um cabeça de lista escolhido como, sobretudo, a forma como se tem permitido desgastar sucessivos nomes na praça pública, desde o doutor Jorge Sampaio ao Carlos César, Francisco Assis, toda a gente já andou como cabeça de lista”.

Na mesma linha, o autarca de Lisboa quis deixar vincado que não será “credível trabalhar num qualquer cenário que não seja uma vitória significativa do PS” nas próximas eleições para o Parlamento Europeu, a 25 de maio.

“Ganhar poucochinho é fazer uma coligação poucochinha e fraquinha. É preciso ganhar solidamente para ter força e capacidade para negociar e fazer acordos”, advertiu ainda António Costa, para quem seria “impensável uma derrota do PS” nas urnas.
“A maior expectativa”
Embora em tom mais temperado, também José Sócrates contribuiu ontem para o erguer da fasquia colocada a Seguro, ao cunhar uma conferência no ISCTE sobre “o papel do Estado na sociedade contemporânea” com um sublinhado do valor político das europeias. Mesmo que se apresente agora como “ex-político”.

“Votarei sempre no PS. Isso não está em causa. Mas gostaria que a esquerda se apresentasse, ao nível europeu, com um novo programa político”, advogou o ex-primeiro-ministro, que optaria por colocar as críticas no plano europeu, em particular sobre o Presidente francês, François Hollande. Sócrates admitiu “fazer parte do grupo de pessoas descoroçoadas com a linha política francesa”.


Foto: João Relvas, Lusa

“Quanto a Hollande, sinto-me descoroçoado e partilho da desolação, porque sempre esperei que viesse dali o polo que pudesse equilibrar as coisas na Europa, mas não foi assim”, confessou.

Para consumo interno, no entanto, Sócrates diria ter “a maior expectativa” face ao que vier a ser o resultado do PS de António José Seguro: “Porque entre PS e PSD há hoje uma diferença na perspetiva quer quanto ao que aconteceu na Europa, quer quanto ao que deve acontecer no futuro”.

Ainda segundo o antigo governante, “o dever da esquerda europeia é ser muito ambiciosa”. O que passará por “dizer claramente não à Alemanha”.

“Não é com rodriguinhos, porque o que está a acontecer favorece alguns países e prejudica outros. Isto não tem por trás qualquer teoria da justiça. Tenho a certeza de que o PS vai fazer isto, já que o Governo atual comporta-se como uma espécie de capataz que diz aqui o que os alemães dizem na Alemanha”, frisou.
“De boa saúde”

Foi pela mão de Carlos César que o verniz começou, esta semana, a estalar no seio do Rato. Na quarta-feira, os ecos de uma entrevista do antigo presidente do Governo Regional dos Açores à rádio Renascença depressa se converteram em ondas de choque para a liderança de Seguro. César adiantou ter conversado sobre um “eventual comprometimento” nas europeias com o secretário-geral do PS. A quem comunicou que “não tinha disponibilidade” para integrar a lista.

Deixaria, sobretudo, críticas severas ao desempenho do atual líder, dizendo duvidar que Seguro “deva falar sobre tudo e durante todo o tempo, porque suscita a necessidade de, sendo assim, pronunciar-se sobre as mais exóticas matérias, que talvez não caibam a uma liderança, mas que podem caber a colaboradores, desde que eles existam e tenham qualidade para isso”. Disse ainda que o Partido Socialista tem surgido “demasiado oponente e pouco proponente”.


Foto: Eduardo Costa, Lusa

César estimou mesmo que a liderança partidária pode ficar em causa num cenário de maus resultados eleitorais. “Se houvesse uma situação de anormalidade, em que o PS não obtivesse um bom resultado, é evidente que essa questão deveria ser colocada”, sustentou.

Na sequência desta entrevista a cúpula do PS faria sair um comunicado a enfatizar que “o secretário-geral não fez qualquer convite a Carlos César para encabeçar a lista de candidatos às eleições europeias”. Mais tarde, questionado pelos jornalistas no Parlamento, o próprio Seguro recusar-se-ia a reagir diretamente às palavras de César, repetindo, por duas vezes, uma frase genérica: “O PS está de boa saúde e recomenda-se”.

“Sinto uma profunda angústia pelo que passam milhões de portugueses, os que estão desempregados, os que emigraram, ou os que têm dificuldades em aceder aos cuidados de saúde. Esse é que são os problemas de um político responsável”, afirmava então o líder socialista, para acrescentar que, “a mais de três meses das eleições europeias”, as suas “preocupações e prioridades são os problemas graves que o país atravessa”.
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