O 11 de Março 40 anos depois: em entrevista à RTP Varela Gomes assume "usurpação revolucionária"

por António Louçã/Pedro Pina/Nuno Patrício

Nos dias seguintes ao 11 de Março de 1975, o coronel João Varela Gomes foi acusado de "usurpação de funções" por ter lançado por rádio e televisão apelos à luta do povo contra o golpe spinolista. Perante a RTP, assume: foi uma "usurpação revolucionária".

Em 11 de Março de 1975, a primeira resposta ao golpe veio do regimento atacado. Quase em simultâneo, a Vª Divisão, sob o impulso do coronel Varela Gomes, tomou o controlo de emissões de rádio e televisão para lançar apelos à mobilização popular.
O golpe e a falta de respostaEm vários livros publicados nos anos seguintes (um deles, na foto abaixo), relatou as várias diligências que fez, às primeiras notícias da existência de um golpe, no sentido de mover os responsáveis políticos e militares a actuarem rapidamente. E aí relata igualmente as respostas dilatórias com que se foi deparando.

Em entrevista concedida ao online da RTP, 40 anos depois da tentativa golpista, Varela Gomes evoca também as iniciativas que, perante a inércia generalizada, se decidiu a tomar, com a participação de militares da Vª Divisão, na sua maioria muito jovens, mas também os coronéis Robin de Andrade, Ribeiro Simões, Vicente da Silva.
A "usurpação revolucionária"
Entre essas iniciativas contou-se a de mandar assumir por um grupo da Vª Divisão, às ordens de Bargão dos Santos, a emissão da RTP. Esta, recorda Varela Gomes, continuava preenchida com um programa infantil, como se nada se passasse. A circunstância ocasionou depois fortes reservas ao papel que desempenhava o tenente coronel Ramalho Eanes à frente da televisão pública.

Uma outra iniciativa consistiu em fazer assumir por um grupo da mesma Vª Divisão, às ordens de Duran Clemente, a programação da Emissora Nacional.

Num caso e noutro, foram difundidos apelos à mobilização popular contra o golpe. Esses apelos contribuíram para o afluxo de civis ao regimento atacado, o RAL-1, no sentido de participarem na sua defesa. Também em torno das instalações da Vª Divisão, na Cova da Moura, se concentrou uma multidão que pretendia participar na resistência ao golpe.

Não tendo acesso a armamento, Varela Gomes mandou nessa circunstância arrombar as portas da arrecadação e assinou também uma requisição para o Depósito Geral de Material de Guerra, em Beirolas - apenas para aí ser dito ao oficial por si enviado que havia instruções do chefe do Estado Maior do Exército, general Fabião, para nada ser entregue à Vª Divisão.

Mais tarde, seria insinuada contra ele a acusação, já recorrente, de "usurpação de funções", por não ter ficado à espera de ordens que tardavam contra o golpe. No depoimento agora prestado à RTP, assume que levou a cabo uma "usurpação revolucionária", para impedir o triunfo do que se antevia como um golpe de Estado sangrento.
A chamada "assembleia selvagem"
Outro relato importante contido no depoimento diz respeito à Assembleia levada a cabo na noite de 11 para 12 de Março. Na assembleia houve alguém que chamou a atenção de Varela Gomes para a obrigação de moderar a posição da Vª Divisão, por respeito ao presidente da República, general Costa Gomes, aí presente também.

A isto respondeu Varela Gomes - aludindo ao seu passado antifascista - que ninguém, nem mesmo o presidente, tinha tanta autoridade para falar na assembleia como ele próprio.

Igualmente importante é o reconhecimento de Costa Gomes como "um adversário de respeito". Este reconhecimento surge relacionado com a constatação de que o presidente, de forma astuta, guardou para o final da assembleia a decisão relativa à realização de eleições no prazo de pouco mais de um mês, em circunstâncias que seriam favoráveis às forças ditas "moderadas".

E, nesse final, a desmobilização e o cansaço dos participantes da assembleia facilitaram a aprovação de um calendário indesejado do ponto de vista que defendia a Vª Divisão.

O primeiro ministro Vasco Gonçalves viria a manter esse compromisso e até a fazer dele um argumento demonstrativo da normalidade da situação portuguesa.
O papel de Carlucci
Nos meses seguintes, ia desempenhar um papel significativo o major Melo Antunes, ministro já no III Governo Provisório, reconduzido no IV Governo por Vasco Gonçalves, com a decisiva pasta dos Negócios Estrangeiros.

Varela Gomes lembra na entrevista que Melo Antunes gozava da confiança de Vasco Gonçalves, mas não da Vª Divisão, que tentou advertir o primeiro ministro contra a sua recondução no cargo. O resultado foi decepcionante: "Ele [Vasco Gonçalves] não nos ligou nenhuma".

Em todo o caso, Varela Gomes comenta a intentona de Março como expressão de certa incompetência dos "saloios portugueses", golpistas desastrados, que deveriam forçosamente ceder passo a uma direcção muito mais experimentada e profissional. Esta iria exercer-se sob a batuta do embaixador norte-americano Frank Carlucci, no âmbito de uma internacionalização do confronto entre revolução e contra-revolução que o nosso entrevistado identifica já em episódios e vínculos anteriores (foto à dir.).

Do ponto de vista sustentado na entrevista, entrava-se, na própria noite de 11 para 12 de Março, numa nova etapa, com objectivos mais claros por parte das potências ocidentais envolvidas no cenário ibérico, e também com uma noção muito mais clara das suas apostas - em primeiro lugar na personalidade de Mário Soares, que Carlucci, ao contrário de Kissinger, soube identificar como potencial protagonista de uma campanha pelo controlo da situação revolucionária.

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