"Estórias" de uma Revolução quarentona

por António Louçã

Algumas ficaram muito conhecidas e foram sendo repetidas até à saciedade. Outras permaneceram ignoradas, passaram despercebidas ou caíram no esquecimento. É das "estórias" ignoradas, despercebidas ou esquecidas que trata esta série de apontamentos.

Os murais de Alcântara
Durante muitos anos, o "mural de Alcântara" foi um ex-libris das paredes exteriores lisboetas e uma das mais vivazes recordações gráficas da revolução. Um dia foi parcialmente vandalizado, depois mais, depois completamente coberto. Agora ressurge, integrado num extenso painel situado na Rua do Cais de Alcântara. E as outras componentes do painel também merecem atenção.


A tortura nas prisões da PIDE
Da autoria da jornalista da RDP Ana Aranha e do ex-investigador da PJ Carlos Ademar, acaba de ser dado à estampa o livro "No limite da dor. A tortura nas prisões da PIDE". Não é o primeiro livro sobre o tema, mas é a mais recente colectânea de entrevistas, com vários episódios inéditos.


O calcanhar de Aquiles dos defensores do fascismo
Se todo o poder estivesse na ponta das espingardas, e se todas as revoluções se resolvessem por mera contagem das ditas, a ditadura teria sobrevivido facilmente em 25 de Abril de 1974. Mas as espingardas contadas só valem alguma coisa se houver soldados dispostos a usá-las. O moral dos defensores do regime era o seu calcanhar de Aquiles.


Os cravos vermelhos, símbolos de Abril
Quem inventou o fogo, quem inventou a roda, quem inventou os cravos vermelhos da revolução? Invenções, todas, tão óbvias que não lhes ficou associado nenhum nome de Colombo, e que podem ter sido obra de várias pessoas, em locais e momentos diferentes, a procurarem a solução para o mesmo problema. Mas há vinte anos, a jornalista Ana Sousa Dias fez sair do anonimato uma das inventoras dos cravos vermelhos, o ovo de Colombo da revolução.


"Grândola", a canção que a censura deixou passar
Em 29 de Março de 1974, menos de um mês antes da revolução, juntaram-se no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, vários cantores de intervenção para um concerto memorável. A censura levantou dificuldades a várias composições, proibiu outras, mas não percebeu a enorme carga simbólica que já então fazia sobressair uma delas entre todas. Zeca Afonso pôde cantar "Grândola, Vila Morena", sem ser incomodado.


A rendição da PIDE
A revolução desmantelou a PIDE e hoje parece óbvio que só podia ser assim. Mas no dia 25 de Abril o movimento dos capitães não tinha atribuído no seu plano de operações qualquer importância à PIDE. As primeiras medidas contra ela foram timoratas. As primeiras declarações do general Spínola mostravam a intenção de mantê-la em funcionamento. Há alguns anos, o homem que obteve a rendição da PIDE, contou à RTP como foi.


Como os pides do Porto foram libertados
Ao contrário do que sucedeu em Lisboa, os pides do Porto foram libertados e os seus arquivos foram em boa parte destruídos. O facto deveu-se a uma série de imprevistos que levaram um pouco mais de uma centena de tropas especiais vindas de Lamego a ter de trocar a neutralização da PIDE por outras missões. Para entender o processo é decisivo o testemunho do então capitão Delgado Fonseca, que comandava essas tropas.

O primeiro preso político do pós-25 de Abril

O poder político saído da revolução de Abril fez logo, um mês depois se ter instalado na Cova da Moura, o primeiro preso político de esquerda. Não foi, ao contrário de uma imagem largamente difundida, nenhum militante de extrema-esquerda, anarquista ou maoista. Foi um figura destacada da resistência antifascista, expulso do Exército pelo seu papel decisivo na Revolta de Beja, preso durante seis anos, reintegrado com o posto de coronel após o 25 de Abril.

Quando Sartre veio ver a Revolução dos Cravos
De 23 de Março a 16 de Abril de 1975, Jean-Paul Sartre esteve em Portugal, com um pequeno grupo em que se integravam Simone de Beauvoir, Pierre Victor e Serge July. Entre o golpe spinolista de Março e as eleições constituintes de Abril, Sartre, quase cego, perguntava-se se conseguiria "ver" a revolução. Vinha ver e ouvir, mais do que perorar. Viu alguma coisa, com a sua conhecida perspicácia, e decepcionou-se por não ouvir mais. As vozes da revolução eram confusas e pouco articuladas.
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