Fado "Embuçado" é dedicado a D. Carlos que aprendeu a tocar guitarra e gostava de toiradas e fados

por © 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Lisboa, 28 Jan (Lusa) - O Rei D. Carlos, assassinado há cem anos, gostava de toiradas e de fados, indo ao encontro de uma tendência cultural das época que visava "revalorizar as coisas nacionais", disse à Lusa o historiador Rui Ramos.

O fado "Embuçado", da autoria de Gabriel de Oliveira, "é uma homenagem ao Rei que ia muito aos fados e tinha até aprendido a tocar guitarra portuguesa com João Maria dos Anjos", disse à Lusa o fadista Miguel Silva, 91 anos, que conviveu com o poeta, falecido em 1953.

"O Gabriel que ficou conhecido aqui na Mouraria [Lisboa] como `Gabriel, marujo` era uma integralista monárquico, e fez o fado para a Natália dos Anjos, que foi sua companheira, cantar, em homenagem ao Rei", disse Miguel Silva.

O tema "Embuçado" tornou-se conhecido na voz de João Ferreira Rosa, que o começou a cantar em 1962, com música de Alcídia Rodrigues, habitualmente designada como "Fado Tradição".

"Quem me deu a letra foi a fadista Márcia Condessa e gravei o fado em 1965, e de facto escolhi pela música do fado Tradição", disse João Ferreia Rosa.

Originalmente, Natália dos Anjos cantava-o na música do "Fado Natália" de autoria de José Marques `Piscalarete`.

O musicólogo Rui Vieira Nery afirmou à Lusa "que há de facto essa tradição oral de que o Rei ia aos fados e há documentação relativamente ao facto de ter aprendido a tocar guitarra portuguesa, ainda na juventude, com João Maria dos Anjos".

"Sabe-se que o Rei ia muito a patuscadas, nomeadamente para a Costa de Caparica, e neste contacto com as classes populares era natural haver fado", disse Vieira Nery.

Não há notícia de alguma vez ter tocado guitarra portuguesa em público, adiantou Nery, mas "sabe-se que aplaudiu entusiasticamente o guitarrista Petrolino, quando este actuou na embaixada inglesa em Lisboa, no âmbito da visita de Eduardo VII".

"Sabe-se também que o próprio Rei chegou a convidar o fadista Fortunato Coimbra para cantar no iate Amélia", acrescentou o musicólogo.

Nesta altura, explicou o investigador, começa a tornar-se hábito, fadistas populares serem "expressamente convidados para actuarem nos palácios dos condes de Anadia, de Burnay, de Fontalva, de Pinhel, da Torre ou do marqueses de Castelo Melhor para além das casa agrícolas de grandes latifundiários como os Palha Blanco ou Camilo Alves".

O historiador Rui Ramos salientou à Lusa que o gosto de D. Carlos enquadra-se "numa viragem no fim do século XIX em que se revaloriza o que é nosso, a vida rural, as toiradas, o fado, etc.".

"D. Carlos está muito identificado com esta tendência. Gosta do Alentejo, de se vestir de lavrador alentejano, gosta de estar e ser um deles, usa até expressões populares nas suas cartas", afirmou Rui Ramos.

Por outro lado, acrescentou o investigador da Universidade de Lisboa, este gosto vem "ao arrepio da tradição da monarquia liberal que é erigida contra a vida marialva que caracterizava a fidalguia, no esteio da fama de D. Miguel I".

"D. Luís, seu pai, não gostava de toiradas que foram aliás abolidas em 1834 pois eram vistas como um desporto bárbaro e que incentivava à ferocidade da população", acrescentou.

Segundo Rui Ramos, biógrafo do monarca, D. Carlos "não tem da vida uma concepção austera ou trágica como D. Pedro V, seu tio".

"Vive de estímulos externos, gosta da vida ao ar livre, gosta de caçadas, vela, nadar, jogar ténis, pratica esgrima, equitação. Não é um intelectual, não tem uma vida interior, no sentido de reflectir muito", disse.

Rui Vieira Nery afirmou que, de facto, o Rei "era dado a uma alegre convivência" e segundo Rui Ramos, D.Carlos gostava de companhias femininas e "teve várias amantes".

"Sabe-se que a partir de dada altura o casal real não tem vida conjugal. Viviam no Palácio das Necessidades [Lisboa] mas separadamente, D.ª Amélia na ala residencial e D. Carlos na ala conventual".

"Relativamente às suas amantes há até documentação, nomeadamente sobre um caso com a mulher do embaixador brasileiro, através dos escritos deixados pelo médico da Corte, Thomaz de Mello Breyner".

Rui Ramos salientou ainda "a dimensão de `dandy` do Rei, sempre vestido `muito à moda`, usava por exemplo chapéu de abas moles, chamado na época `republicano`", afirmou.

"Esta dimensão aproxima-o do Príncipe de Gales, seu contemporâneo", futuro Eduardo VII que visitará Lisboa e ouvirá fado.

NL.

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