As duas advogadas do mediático "Caso Liliana Melo", uma mãe de origem cabo-verdiana a quem foram retirados sete filhos para adoção, foram as vencedoras da edição deste ano do Prémio Nelson Mandela, anunciou à Lusa o presidente da Propública.
As advogadas Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves são as escolhidas pelo júri da terceira edição do prémio Nelson Mandela, disse o advogado Agostinho Pereira de Miranda.
No "Dia do Advogado", que hoje se assinala, as duas juristas foram distinguidas com este prémio ex-aequo porque, "generosamente e ao longo de anos, defenderam nos tribunais nacionais e internacionais, os direitos e a dignidade das crianças".
Segundo o presidente da Propública -- Direito e Cidadania, uma associação privada, independente e apolítica, constituída em junho de 2020, e que tem por objetivo a defesa jurídica do interesse público, os dois nomes foram escolhidos por recomendação do júri e por decisão, por unanimidade, da direção da organização, entre quase 10 candidatos.
O júri era composto por quatro personalidades externas à Propública: os advogados Francisco Teixeira da Mota e Leonor Caldeira, vencedores da primeira e segunda edições do prémio, respetivamente, por Bárbara Reis, jornalista do jornal Público, e a socialista e ex-deputada Ana Gomes, e também pelo presidente da Propública.
O prémio, no valor pecuniário de 10.000 euros - do qual caberá a cada uma das juristas vencedoras cinco mil euros - será entregue no dia 18 de julho, Dia Internacional Nelson Mandela e que celebra a data do nascimento daquele líder africano, também advogado e antigo Presidente da África do Sul, que combateu o regime do `apartheid` no seu país.
"Estas duas advogadas, o que apresentaram de específico, diferente e exemplar mesmo é que trabalharam numa causa de interesse público, a qual visava a proteção dos direitos das crianças e das famílias e fizeram-no gratuitamente durante mais de quatro anos", salientou Agostinho Pereira de Miranda.
Além disso, "durante esse período revelaram uma enorme coragem, porque eram frequentemente hostilizadas no mérito do seu trabalho, e uma discrição atípica para advogadas que tinham em mãos um processo potencialmente muito mediático", realçou também o presidente da Propública, que criou o prémio Nelson Mandela.
O processo em causa é o que ficou conhecido como "caso Liliana Melo", uma mãe de origem cabo-verdiana a quem foram retirados sete filhos para adoção, implicando a inibição do poder parental.
"Sei que o seu trabalho não foi remunerado mesmo quando se dirigiram ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos", destacou o advogado.
Agostinho Pereira de Miranda frisou que as duas advogadas representaram o caso na primeira instância, no Tribunal da Relação de Lisboa, e recorreram três vezes ao Supremo Tribunal de Justiça e duas vezes ao Tribunal Constitucional.
"O que é uma persistência e atitude de defesa dos direitos da sua constituinte, que é raro encontrar-se especialmente no domínio da proteção de crianças e jovens e respetiva jurisdição", acrescentou.
Na opinião daquele responsável, no atual contexto mundial e nacional, em que há cada vez mais desagregação dos laços sociais e "um aumento brutal das dificuldades" com que estratos da população são confrontados e em que a violência cresce e a guerra também vai progredindo, "e não é apenas a da Ucrânia", a escolha das duas advogadas foi "muito acertada".
Quanto ao papel dos advogados de hoje, Agostinho de Miranda diz que há "muito advogados discretos, anónimos, que continuam a trabalhar na defesa de valores comunitários, do bem público e do interesse coletivo", que a Propública quer homenagear.
Mas, por outro lado, regista o facto de "os advogados que maior responsabilidade têm de assumir a defesa do interesse público, nomeadamente os mais prósperos, aqueles que têm estruturas que permitiriam a assunção de um nível elevado de responsabilidade social serem porventura os que menos fazem", pelo interesse público.
Na opinião do presidente da Propública, "isso é lamentável, porque há um contrato entre a sociedade e os advogados que é tão ou mais importante que o contrato de mandato, a procuração que é conferida a um advogado pelo seu cliente".
Por isso, a Propública diz que espera que os advogados mais prósperos "vejam na atribuição deste prémio, por assimetria, o pouco que continuam a fazer de interesse público e pelo bem da comunidade".
Para Agostinho de Miranda, "os advogados que não defendem a coesão da comunidade em que trabalham estão a cavar a sua própria sepultura".
Entre 2007 e 2016, Liliana Melo lutou para que lhe fossem reconhecidos os seus direitos parentais, o que conseguiu. As advogadas conseguiram a condenação do Estado português no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
"Num tempo em que se assiste à desvalorização cívica, corporativa e política da advocacia, Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves são um exemplo de profissionalismo, coragem e resistência", sublinha a Propública em comunicado.