Sophia de Mello Breyner Andresen entre as grandes referências cívicas de Portugal

por Lusa

Lisboa, 30 jun (Lusa) - A escritora Sophia de Mello Breyner Andresen, cuja trasladação do corpo para o Panteão Nacional se realiza na quarta-feira, é "uma das grandes referências cívicas" de Portugal, afirmou o presidente do PEN Clube Português, Casimiro de Brito.

"Sophia foi a maior poetisa do século XX e vai ficar para sempre na literatura portuguesa. Além disso, é um exemplo cívico e de qualidade humana", disse à Lusa o escritor Casimiro de Brito.

Numa homenagem à poetisa, realizada no passado dia 26, no Porto, cidade onde nasceu, o seu filho, o escritor Miguel Sousa Tavares, afirmou que "a melhor homenagem que se pode fazer à escrita de Sophia, dez anos após a sua morte, é reconhecer que ela continua deslumbrantemente atual".

Sophia de Mello Breyner Andresen faleceu aos 84 anos na sua residência em Lisboa, dez dias antes de receber a Medalha de Honra do Presidente do Chile, por ocasião do centenário do nascimento de Pablo Neruda. Ao longo da sua carreira, foi condecorada três vezes pela República Portuguesa.

Sophia de Mello Breyner recebeu, em 1981, o grau de Grã Oficial da Ordem de Sant`Iago e Espada, em 1987, a Grã Cruz da Ordem do Infante D. Henrique e, no ano seguinte, a Grã Cruz da Ordem de Sant`Iago e Espada.

O Prémio Rainha Sofia de Espanha, em 2003, foi o último galardão que recebeu em vida, de uma lista de doze, iniciada em 1964, com o Grande Prémio de Poesia da Sociedade Portuguesa de Escritores, pelo livro "Canto sexto".

Em 1977, "O nome das coisas" valeu-lhe o Prémio Teixeira de Pascoaes e, em 1984, a Associação Internacional de Críticos Literários entregou-lhe o Prémio da Crítica pela totalidade da obra.

Em 1989, foi distinguida com o Prémio D. Dinis pelo livro de poesia "Ilhas", que também recebeu, no ano seguinte, o Grande Prémio de Poesia Inasset/Inapa. Em 1992, voltou a ser premiada pela totalidade da obra, desta feita com o Grande Prémio Calouste Gulbenkian para Crianças.

A autora escreveu várias obras dedicadas ao público infanto-juvenil, nomeadamente, "A menina do mar" (1958), "A Fada Oriana" (1958), "A noite de Natal" (1959), "O Cavaleiro da Dinamarca" (1964), "O Tesouro" (1970), "A Árvore" (1985).

Em 1994, a Associação Portuguesa de Escritores outorgou-lhe o Prémio 50 anos de Vida Literária e, em 1996, foi homenageada no Carrefour des Littératures (França), um ano depois de ter sido distinguida com o Prémio Petrarca pela Associação de Editores Italianos.

Em 1998, o seu livro "O búzio de cós" valeu-lhe o Prémio Luís Miguel Nava e, no ano seguinte, recebeu o Prémio Camões.

Na cerimónia de entrega, o Presidente da República Jorge Sampaio salientou a "beleza tão alta e exata" que fez da obra de Sophia "uma das criações em que nos revemos e de que nos orgulhamos".

Nessa ocasião, em declarações à agência Lusa, a poetisa afirmou que foi numa viagem de autocarro que intuiu a natureza do mistério da poesia, ao reparar que a janela através da qual olhava, coincidia por vezes com as janelas das casas.

"Pensei que talvez fosse isso: as palavras às vezes coincidem com os seus significados, e depois deixam de coincidir, e voltam a coincidir outra vez", disse.

Sophia escreveu os primeiros poemas aos 12 anos, mas só aos 24 anos publicou, às suas custas, o primeiro livro intitulado "Poesia", numa edição de 300 exemplares publicada em Coimbra.

A poetisa gostava de escrever sobre o verde, o mar, as ilhas, o amor e o trágico, mas não gostava que lhe perguntassem porque é que escrevia.

"O verdadeiro artista não inventa, vê", afirmou numa das muitas entrevistas que deu, explicando que o artista "consegue apreender na natureza, nos elementos, o elo primordial que une o Homem ao Universo".

"Quem escreve sobre uma árvore, entra em ligação com ela", referia.

O Pen Club da Galiza entregou-lhe, em 1999, o Prémio Rosalia de Castro. Em 2001, recebeu o Prémio Max Jacob Étranger, que, pela primeira vez, distinguiu um autor não-francês. Este prémio surgiu na sequência da publicação de uma antologia de poemas seus, em França, intitulada "Malgré les ruines et la mort".

Relativamente aos prémios, a escritora afirmou, em 1990, que estes se devem opor ao consumismo, pois definem um critério de escolha.

Além da literatura infanto-juvenil, com oito títulos editados, e da poesia, com 21 publicados, Sophia de Mello Breyner Andresen escreveu ensaio - "O Nu na Antiguidade Clássica" -, e teatro - "O Bojador" e "O Colar", esta última levada à cena em 2002 pela companhia A Cornucópia.

Em 2012, a Porto Editora publicou um conto inacabado da autora, "Os Ciganos", ao qual o seu neto Pedro Sousa Tavares deu continuidade, contando com ilustrações de Danuta Wojciechowska.

Além dos 37 títulos publicados nas diferentes áreas, e de nove antologias, da autora há ainda vários poemas e textos dispersos.

Sophia de Mello Breyner Andresen destacou-se igualmente como tradutora de Dante, Paul Claudel, William Shakespeare, Leif Kristianson, Eurípedes, entre outros autores. A tradução de Dante valeu-lhe uma condecoração do Governo italiano.

A política não passou ao lado da vida da escritora, que lutou pela defesa da liberdade e da justiça.

Assumiu-se como opositora à ditadura do Estado Novo e como antissalazarista. Pertenceu à equipa de fundadores da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e, em 1975, foi eleita deputada pelo Partido Socialista à Assembleia Constituinte, pelo círculo do Porto.

Sem nunca ter deixado de ter um olhar crítico e atento, preferiu, nos últimos anos, afastar-se da política ativa, tendo admitido "uma certa desilusão". Em 1979 abandonou formalmente o PS.

Acerca dos políticos afirmou: "Têm a mania de construir de mais, mas a boa política é aquela que só faz o necessário".

Mulher de fé - defendeu que a religião não condiciona o humano, "mas funda-o" - foi casada com o advogado e jornalista Francisco Sousa Tavares, falecido em maio de 1993, de quem teve cinco filhos.

"Esta é a madrugada que eu esperava/ O dia inicial inteiro e limpo/ Onde emergimos da noite e do silêncio. E livres habitamos a substância do tempo", escreveu Sophia, sobre esse dia, 25 de Abril de 1974.

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