Crise imobiliária deixa consumidores pessimistas apesar do crescimento chinês

A economia chinesa deve alcançar este ano a meta oficial de crescimento de cerca de 5%, impulsionada pelas exportações e avanços em inteligência artificial e veículos elétricos, enquanto muitos chineses vivem na incerteza quanto ao emprego e vencimentos.

Lusa /
Reuters

A divergência entre os indicadores macroeconómicos e o quotidiano da população alimenta dúvidas sobre a robustez da recuperação económica, apesar da trégua comercial entre Pequim e Washington, selada após um encontro entre os líderes da China e Estados Unidos, Xi Jinping e Donald Trump.

"Os negócios estão muito difíceis", afirmou Xiao Feng, proprietário de uma sala de bilhar em Pequim. "Os ricos não têm tempo e o povo não tem dinheiro. No fim do mês, fico a zeros", observou.

A esposa de Xiao, enfermeira, é atualmente a principal fonte de rendimento da família. O empresário cortou no número de funcionários e diz que não teve qualquer lucro nos últimos seis meses.

O sentimento é partilhado por Zhang Xiaoze, agente imobiliário especializado em propriedades comerciais, que viu o seu rendimento anual cair de três milhões de yuan (cerca de 364 mil euros) para apenas 100 mil yuan (12 mil euros). "Muitas empresas estão a sair de Pequim. O problema é que as pessoas não têm dinheiro", explicou.

Entre janeiro e novembro, as exportações chinesas atingiram um novo recorde de 3,4 biliões de dólares (quase 2,9 biliões de euros), mas o consumo interno mostra sinais de fraqueza. As vendas a retalho subiram apenas 1,3% em novembro, uma desaceleração face ao mês anterior, enquanto o investimento em ativos fixos caiu 2,6%.

O setor imobiliário continua a ser um ponto crítico: os preços da habitação caíram mais de 20% desde o pico em 2021. As vendas de casas novas recuaram 11,2% e o investimento no setor caiu quase 16% nos primeiros 11 meses do ano.

Xiao comprou o apartamento em que vive por mais de três milhões de yuan em 2019. "Agora vale uns 2,4 milhões. Se não tivesse desvalorizado tanto, talvez já tivesse trocado de carro. Mas continuo com o mesmo de há dez anos", disse.

Para reduzir despesas, Xiao deixou de pagar explicações ao filho de 10 anos. "Agora ensinamos nós em casa. O futuro é incerto".

Zhou, um explicador em Tianjin, viu o número de alunos cair à medida que os pais deixam de investir em educação suplementar. "Muitos preferem turmas grandes em vez de aulas individuais. O negócio está 50% pior do que durante a pandemia", afirmou.

Analistas como Zichun Huang, da Capital Economics, consideram que o crescimento real da China pode estar abaixo dos 5% oficialmente estimados. O grupo de reflexão (`think tank`) Rhodium Group aponta para uma taxa de apenas 2,5% a 3%.

A estagnação no setor imobiliário afeta diretamente a confiança dos consumidores, num país onde a habitação representa o principal veículo de investimento das famílias. O crescimento do rendimento disponível também tem sido inferior ao ritmo pré-pandemia.

"É uma transição difícil", afirmou o economista-chefe da ING para a China, Lynn Song, referindo-se à tentativa de Pequim de reorientar a economia para o consumo interno e para setores de alta tecnologia. "A retórica oficial não corresponde à realidade vivida por muitos chineses", explicou.

O excesso de capacidade em setores como o automóvel, aço e bens de consumo mantém os preços e lucros sob pressão. Segundo o banco HSBC, os preços das exportações chinesas caíram mais de 20% desde 2022.

O proprietário de um hotel económico em Shijiazhuang, norte da China, que se identificou apenas como Zhai, diz que não vê sinais de recuperação. "Se as coisas não melhorarem até maio ou junho, quando termina o contrato de arrendamento, fecho as portas", assegurou.

 

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