Dívida Credit Suisse. Organizações da sociedade civil defendem "cancelamento total"

por Lusa

O Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), uma coligação de organizações moçambicanas, defendeu hoje o "cancelamento total" da dívida reclamada ao país pelo Credit Suisse, contraída no âmbito das dívidas ocultas.

"O reconhecimento do Credit Suisse da sua responsabilidade reforça a justeza e legitimidade da exigência do FMO de cancelamento total das dívidas ilegais", refere um comunicado daquela entidade. 

A coligação da sociedade civil moçambicana fez conhecer a sua posição, na sequência da aceitação pelo Credit Suisse de um perdão parcial de 170 milhões de euros das dívidas ocultas a Moçambique e do pagamento de um acordo superior a 410 milhões de euros a reguladores financeiros dos EUA, Reino Unido e Suíça por irregularidades nos empréstimos ao país africano. 

Na nota de imprensa, o FMO considera que a decisão do banco suíço reforça a ideia de que as dívidas ocultas "são odiosas" e nunca serviram "para beneficiar Moçambique". 

"O FMO continua a exigir a compensação justa e à medida dos efeitos e impactos do escândalo [para o país], nomeadamente, a crise da dívida, a redução dos investimentos, a retirada dos parceiros de cooperação e os efeitos económicos que empurraram milhões de moçambicanos para a pobreza", lê-se no texto. 

No comunicado refere-se ainda que um estudo realizado em 2021 pelo Centro de Integridade Pública (CIP), organização que faz parte do FMO, estimou os custos económicos e financeiros do escândalo das dívidas ocultas em pelo menos 11 mil milhões de dólares (9,46 mil milhões de euros), podendo ascender a cerca de 16 mil milhões de dólares (13,77 mil milhões de euros) caso o país seja obrigado a pagar os encargos decorrentes dos referidos empréstimos.  

"O FMO vem acompanhando os contornos de todos os processos ligados às dívidas ocultas nos Estados Unidos, Reino Unido, Suíça, África do Sul e Moçambique e nos últimos anos realizou encontros com as autoridades reguladoras dos diferentes países", participando inclusivamente "na assembleia geral do Credit Suisse, tendo submetido uma petição a exigir o cancelamento das dívidas ilegais à FCA [regulador financeiro britânico] e ao parlamento britânico", lê-se no texto. 

Além da pressão para a auditoria às dívidas e a responsabilização exemplar dos envolvidos, o FMO submeteu duas petições ao Conselho Constitucional de Moçambique, que decidiu declarar as dívidas ilegais e nulas, observou. 

Num comunicado emitido na terça-feira, a Financial Conduct Authority (FCA) do Reino Unido concluiu que o Credit Suisse cometeu falhas nos processos de verificação que acompanham as transações financeiras efetuadas por instituições. 

Segundo a FCA, o banco "falhou na gestão adequada do risco de crime financeiro nos seus negócios em mercados emergentes" entre outubro de 2012 a março de 2016 pois sabia do risco de corrupção em Moçambique.  

A multa da FCA ao banco suíço faz parte de um acordo de resolução de aproximadamente 475 milhões de dólares (410 milhões de euros) que envolve também o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos e a Autoridade de Supervisão do Mercado Financeiro Suíço (FINMA).  

Na quarta-feira, o banco russo VTB - também envolvido na estruturação das dívidas - disse em declarações à Lusa que continua a preferir "resolver amigavelmente" com Moçambique a disputa sobre 817,5 milhões de dólares que reclama do Estado, relativos às dívidas ocultas, do que esperar por uma decisão judicial. 

"O VTB é sincero no seu desejo de resolver amigavelmente esta disputa", referiu fonte oficial do banco. 

A declaração surge depois de o banco ter também aceitado na terça-feira pagar seis milhões de dólares à Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC, sigla inglesa), face a acusações de "enganar investidores" numa oferta de títulos ligados às dívidas ocultas, "violando regras antifraude contra negligência", referiu a comissão. 

Num julgamento que decorre em Maputo, a justiça moçambicana acusa 19 arguidos de se terem associado em "quadrilha" e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) - valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 mil milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo. 

As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM para projetos de pesca de atum e proteção marítima que nunca avançaram. 

Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.

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