Abelhas do tempo dos faraós encontradas mumificadas no litoral de Odemira

por Nuno Patrício - RTP
As abelhas estão mumificadas há quase 3000 anos no interior dos seus casulos | Foto: Shelby Cohron - Unsplash

Foram descobertas centenas de abelhas mumificadas no interior dos seus casulos, num novo espaço paleontológico descoberto na costa sudoeste, no concelho de Odemira. Esta descoberta, coordenada pelo paleontólogo Carlos Neto de Carvalho, colaborador do Instituto Dom Luiz (IDL), foi dada a conhecer através de um novo estudo publicado na revista internacional Papers in Paleontology.

Esta fossilização é extremamente rara e normalmente o esqueleto destes insetos é decomposto rapidamente, já que tem uma composição quitinosa, que é um composto orgânico.

Carlos Neto de Carvalho refere neste estudo que “o grau de preservação destas abelhas é de tal modo excecional que pudemos identificar não apenas detalhes anatómicos que determinam qual o tipo de abelha, mas também o seu sexo e até a provisão de pólen monofloral deixada pela progenitora quando construiu o casulo”, explica o paleontólogo.

Os casulos produzidos há quase três mil anos preservam, como num sarcófago, os jovens adultos da abelha Eucera que nunca chegaram a ver a luz do dia | Imagem cedida por CNC - Ciências ULisboa.

O projeto identificou quatro sítios paleontológicos com elevada densidade de fósseis de casulos de abelhas, atingindo milhares num quadrado com um metro de lado. Estes locais foram encontrados entre Vila Nova de Milfontes e Odeceixe, no litoral de Odemira, autarquia que deu um forte apoio à execução deste estudo científico, permitindo a sua datação por carbono 14.
A Paleontologia é a ciência que estuda os seres vivos que viveram num passado remoto da Terra. A biodiversidade atual é apenas uma pequena parcela de todas as espécies de animais, plantas e microorganismos que já habitaram os continentes e oceanos ao longo do tempo.

“Com um registo fóssil de 100 milhões de anos de ninhos e colmeias atribuídas à família das abelhas, a verdade é que a fossilização do seu utilizador é praticamente inexistente”, reforça o paleontólogo italiano Andrea Baucon, um dos coautores do trabalho.

Estes casulos produzidos há quase três mil anos preservam, como num sarcófago, os jovens adultos da abelha Eucera que nunca chegaram a ver a luz do dia. Esta é uma das cerca de 700 espécies de abelhas que ainda existem atualmente em Portugal continental.

O novo sítio paleontológico mostra o interior dos casulos revestido por um intricado de fios produzidos pela progenitora e compostos de um polímero orgânico. No seu interior, por vezes encontra-se o que resta da provisão de pólen monofloral deixada pela progenitora, com que a larva se terá alimentado nos primeiros tempos de vida.

A utilização de tomografia microcomputorizada permitiu ter uma imagem perfeita e tridimensional das abelhas mumificadas no interior de casulos selados.

A utilização de tomografia microcomputorizada permitiu ter uma imagem perfeita e tridimensional das abelhas mumificadas no interior de casulos selados | Imagem cedida por CNC - Ciências ULisboa

As abelhas contam com mais de 20 mil espécies existentes em todo o mundo e são importantes polinizadores, cujas populações têm sofrido um significativo decréscimo por conta de atividades humanas e que tem vindo a ser associado a alterações climáticas. Perceber as razões ecológicas que levaram à morte e mumificação de populações de abelhas há quase três mil anos poderá ajudar a entender e a estabelecer estratégias de resiliência às alterações climáticas.

No caso da costa sudoeste portuguesa, o período climático que se vivia há quase três mil anos era pautado, em geral, por invernos mais frios e chuvosos do que os atuais.

Para o paleontólogo Carlos Neto de Carvalho, coordenador científico do Geopark Naturtejo Mundial da UNESCO, uma das possíveis razões para a morte destes insectos polinizadores deveu-se “um decréscimo acentuado da temperatura noturna no final do inverno ou um alagamento prolongado da área já fora do período das chuvas poderá ter levado à morte, pelo frio ou asfixia, e mumificação de centenas destas pequenas abelhas”, conclui.

Este projeto resulta de uma cooperação ibero-italiana que juntou investigadores do IDL Ciências ULisboa, do DISTAV – Universidade de Génova, do MARE – Universidade de Coimbra, do Instituto Politécnico de Tomar, do Centro Português de Geo-História e Pré-História, do Centro de Investigação em Física Teórica Abdus Salam das universidades de Siena, Veneza e Sevilha.
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