Alterações climáticas podem gerar perdas económicas superiores às da Covid-19, alertam especialistas

por Inês Moreira Santos - RTP
Reuters

As economias dos países mais ricos vão encolher duas vezes mais do que na crise da Covid-19, se os governos não conseguirem lidar com o aumento das emissões de gases de efeito estufa. De acordo com um novo relatório, divulgado esta segunda-feira, as nações do G7 podem perder 8,5 por cento do seu PIB por ano até 2050.

O custo anual para enfrentar os impactos da crise climática vai superar o custo económico da pandemia. Em 2050, as nações do G7 podem perder em média 8,5 por cento do seu PIB a cada ano (o equivalente a 4,8 triliões de dólares), ou seja, o dobro dos 4,2 por cento atingidos pelas perda económicas geradas pela Covid-19, se as alterações climáticas continuarem sem ser controladas ou revertidas.

Estas são as conclusões divulgadas num novo relatório da Oxfam, esta segunda-feira, baseado na investigação do Swiss Re Institute.

"O mundo pode perder cerca de 10 por cento do valor económico total em meados do século se as alterações climáticas permanecerem na trajetória atualmente prevista e se o Acordo de Paris e as metas de emissões líquidas zero para 2050 não forem cumpridas", começa por alertar o relatório.

Os especialista referem, portanto, que os países do G7 - as maiores economias industrializadas do mundo - podem ver as suas economias encolherem duas vezes mais do que agora que enfrentam a pandemia, nos próximos 30 anos, se a temperatura global subir 2,6ºC. Em causa estão as perdas causadas pelo calor e a saúde das populações com as mudanças extremas da temperatura, o aumento do nível do mar, secas e inundações, e a redução de produtividade dos terrenos agrícolas, que podem impedir o crescimento económico destas nações.

A economia do Reino Unido, por exemplo, pode perder 6,5 por cento ao ano até 2050 com as políticas e projeções atuais, em comparação com os 2,4 por cento se as metas do acordo climático de Paris fossem cumpridas.

Mas há países que serão ainda mais prejudicados, incluindo a Índia, cuja economia pode encolher cerca de 25 por cento devido ao aumento de temperatura. Também a Austrália vai perder cerca de 12,5 por cento da sua produção e a Coreia do Sul arrisca-se a perder quase um décimo do seu potencial económico.

Por essa razão, a Oxfam apela ao G7 para que estabeleça novas metas climáticas na preparação para a COP26. Os líderes dos países do G7 - Reino Unido, Estados Unidos, Japão, Canadá, França, Alemanha, Itália - e a União Europeia vão reunir-se, na Cornualha, na próxima sexta-feira para debater a economia global, as vacinas contra a Covid-19, os impostos sobre as empresas e, claro, a crise climática.
"Economias mais desenvolvidas não estão imunes"

De acordo com os dados do documento, relativamente à exposição a "riscos climáticos severos resultantes das alterações climáticas", o sudeste da Ásia e a América Latina provavelmente serão "os mais suscetíveis a condições de seca". Por outro lado, muitos países no norte e no leste da Europa, devem sofrer mais impactos devido a chuvas intensas e inundações.

O Índice de Economia do Clima, apresentado no relatório, indica que "muitas economias avançadas no hemisfério norte são menos vulneráveis ​​aos efeitos gerais das alterações climáticas, estando menos expostas aos riscos associados e com melhores recursos para lidar com isso". Os EUA, o Canadá e a Alemanha, por exemplo, estão entre os dez países menos vulneráveis aos impactos da crise climática, tanto a nível ambiental e de saúde da população como a nível económico.

Portugal também aparece nos primeiros lugares como um dos países menos vulnerável a impactos físicos das alterações climáticas e com alguma capacidade de adaptação. Mas segundo os dados do relatório, é dos países mais ameçados por secas extremas, subida do nível do mar e inundações devido a chuvas intensas.

Estas descobertas, avisa a Oxfam, fazem sobressair a necessidade de as nações reduzirem as emissões de carbono mais rapidamente.

"A crise climática já está a devastar vidas nos países mais pobres, mas as economias mais desenvolvidas do mundo não estão imunes", apontou no relatório o CEO da Oxfam GB, Danny Sriskandarajah.

"O Governo do Reino Unido tem uma oportunidade única numa geração de liderar o mundo em direção a um planeta mais seguro e habitável para todos nós", acrescentou. "Deve forçar todos os tendões diplomáticos para garantir o resultado mais forte possível no G7 e na COP26, e liderar pelo exemplo transformando promessas em ações e revertendo decisões autodestrutivas, como a proposta da mina de carvão em Cumbria e cortes na ajuda internacional".

Já Jerome Haegeli, economista-chefe do grupo Swiss Re, considera que "as alterações climáticas são o risco número um de longo prazo para a economia global, e ficar onde estamos não é uma opção - precisamos de mais progresso por parte do G7".

Isso significa "não apenas obrigações de reduzir o CO2, mas também ajudar os países em desenvolvimento".

Segundo Haegeli, também a distribuição de vacinas contra a Covid-19 é uma forma de ajudar os países em desenvolvimento, "já que as suas economias foram duramente atingidas pela pandemia e precisariam de ajuda para se recuperar num caminho verde, em vez de aumentar os combustíveis fósseis".

A Swiss Re concluiu que as políticas e as atuais promessas dos governos para reduzir as emissões de gases de efeito estufa ainda são inadequadas para cumprir as metas do acordo de Paris.
Países em desenvolvimento e ambiente dependentes de "ajuda internacional"

Antes da COP26, o Reino Unido está a pedir a todos os países para apresentarem promessas mais duras sobre a redução das emissões de carbono, a fim de cumprir as metas de Paris e de limitar o aquecimento global abaixo de 2ºC.

Mas este limite está cada vez mais ameaçado, visto que as emissões de gases de efeito estufa devem aumentar drasticamente este ano, para o segundo maior aumento já registado, devido à recuperação da recessão da Covid-19 e ao aumento do uso de carvão.

"O risco climático é um risco sistémico, que pode ser gerido através de uma ação política global coordenada. Existe uma oportunidade única de tornar as nossas economias mais verdes", referem os especialistas no relatório.

Contudo, a ajuda internacional tem sido o principal obstáculo para muitos, e tem sido descrita como um desastre diplomático visto o sucesso da Cop26 depender, em parte, do Reino Unido conseguir persuadir outras nações ricas na cúpula do G7 a apresentarem promessas muito maiores de assistência financeira aos países em desenvolvimento, de forma a ajudar os países pobres a reduzir as suas emissões e a lidar com os impactos da degradação do clima.

O país mais afetado no G7 seria a Itália, que deve perder 11,4 por cento do PIB por cada ano. Mas os países em desenvolvimento seriam duramente atingidos, com a Índia a sofrer perdas de 27 por cento no PIB e as Filipinas de 35 por cento.

O primeiro Registo de Ameaças Ecológicas (ETR) do Instituto de Economia e Paz alertou também que a crise climática pode obrigar à deslocação de mais de 1,2 mil milhões de pessoas até 2050, considerando as ameaças à sua sobrevivência como desastres naturais, escassez de alimentos e água, criando novas tendências de migração. Além disso, o Banco Mundial revelou, recentemente, que haverá entre 32 e 132 milhões de pessoas a mais a viver em condições de pobreza extrema até 2030, devido ao aquecimento global.

O relatório da Oxfam reitera ainda que os Governos do G7 não estão a cumprir a promessa de contribuir com 100 mil milhões de dólares para ajudar os países em desenvolvimento, estimando-se que os compromissos atuais do G7 entregaram, até agora, apenas 10 mil milhões para projetos e iniciativas de adaptação climática.

Atualmente, apenas o Reino Unido e os EUA concordaram em aumentar o financiamento dos níveis atuais. A França, por seu lado, pretende manter os níveis atuais de financiamento climático, e o Canadá, a Alemanha, o Japão e a Itália ainda não confirmaram se pretendem manter ou aumentar os investimentos verdes nos países menos desenvolvidos.
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