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Arábia Saudita e Iémen. A fronteira onde a humanidade já morreu

por Cristina Santos - RTP
Migrantes etíopes caminham até à fronteira do Iémen com a Arábia Saudita. Reuters

As forças sauditas estão a ser acusadas de crimes contra a humanidade por matarem indiscriminadamente cidadãos migrantes, a maioria da Etiópia, que tentam atravessar a fronteira entre o Iémen e a Arábia Saudita.

Os relatos recolhidos agora pelo jornal britânico The Guardian confirmam que a matança continua, mesmo depois da denúncia da Human Rights Watch em 2023.

Antes de acolher o Campeonato do Mundo de futebol em 2034 e de construir 11 novos estádios, a Arábia Saudita está a ser alvo de um escrutínio cada vez maior sobre as condições dos trabalhadores migrantes.

Mortos, feridos, violações, tortura, nos últimos anos, as autoridades sauditas fazem tudo para deter dezenas de milhares de migrantes ilegais e deportá-los de volta para a Etiópia.

Migrantes etíopes, que tentaram atravessar o vizinho Iémen entre 2019 e 2024, contaram ao Guardian o que viram e ao que sobreviveram. Uma dessas pessoas, que tentou chegar à Arábia Saudita em dezembro de 2024, a partir do Iémen, recordou como as forças sauditas na fronteira dispararam tiros de metralhadoras contra ele e outros dez etíopes.


Crédito: Reuters

Num outro relato, um homem conta que viu “três pessoas morrerem” ao seu lado quando tentou atravessar à noite para a província saudita de Najran com dezenas de outras pessoas em 2022. “Uma das minhas pernas foi desfeita pelas balas sauditas. À minha volta só vi partes de corpos de feridos e mortos”.Outro migrante garante ter testemunhado a violação de três mulheres etíopes por homens com uniformes sauditas.

Os etíopes que viajam ilegalmente através do Iémen em busca de trabalho vêm de zonas onde há guerra, pobreza e crise climática.
 

Crédito: Reuters

A ONU estima que, entre 2022 e 2023, o número de etíopes que fazem esta viagem perigosa aumentou 32 por cento, atingindo 96.670.

Outro homem, que tentou atravessar, em janeiro de 2023, a fronteira do Iémen para território saudita, conta ao Guardian como “a viagem foi particularmente horrível. Ao longo do caminho, encontramos muitos corpos em decomposição que foram comidos por animais”.
Quando chegou à fronteira “os guardas começaram a disparar contra nós enquanto caminhávamos”.
As balas atingiram duas jovens, disse ele. “Uma foi atingida no peito e a outra na nuca. Ambas morreram instantaneamente. Muitos migrantes caíram de um penhasco enquanto tentavam escapar. Outros foram capturados ou feridos por tiros. Não sei o que lhes aconteceu”.
O relatório da Human Rights Watch
Os testemunhos refletem as conclusões de um relatório da Human Rights Watch (HRW) publicado em agosto de 2023, que acusou os guardas de fronteira sauditas de matarem “centenas de migrantes etíopes e requerentes de asilo” na fronteira sul com o Iémen entre março de 2022 e junho de 2023, “num padrão que é generalizado e sistemático” em que usam armas e explosivos

A HRW concluiu então que estas ações podem constituir crimes contra a humanidade.

Um dos muitos relatos documentados pela HRW conta que as forças sauditas dispararam contra um homem etíope que se recusou a violar duas jovens, isto depois de o grupo ter sobrevivido a um ataque com explosivos.

Outra denúncia no relatório acusa os guardas de fronteira de terem obrigado vários cidadãos etíopes a escolherem em que parte do corpo preferiam ser atingidos por balas. Depois os tiros foram à queima-roupa.


Princípe herdeiro da Arábia Saudita | Crédito: Reuters

As autoridades sauditas mantêm o silêncio sobre estas acusações. O país acolhe cerca de 750 mil migrantes etíopes. Mais de metade são ilegais e são explorados em trabalhos na construção civil, explorações agrícolas e trabalho doméstico.
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