Chineses boicotam marcas após denúncias sobre algodão vindo de Xinjiang

por Andreia Martins - RTP
Florence Lo - Reuters

Pequim respondeu em força às marcas de retalho H&M e Nike, que expressaram preocupação pelo alegado uso de mão-de-obra forçada uigur na produção de algodão em Xinjiang.

As gigantes de retalho Nike e H&M estão a enfrentar uma reação hostil por parte dos consumidores chineses depois de terem expressado preocupação sobre a produção de algodão na região de Xinjiang.

Vários cidadãos do país, incluindo celebridades, estão a apelar ao boicote destas marcas e algumas plataformas de comércio eletrónico boicotaram os serviços da H&M.

As declarações das marcas em causa surgiram ainda no ano passado, mas só agora foram recuperadas após o anúncio de sanções por parte de várias potências ocidentais.

Esta semana, a União Europeia, Estados Unidos, Reino Unido e Canadá anunciaram a imposição de sanções, coordenada entre os vários países, contra a China, devido aos abusos de Direitos Humanos na região de Xinjiang, onde a minoria muçulmana uigur é dominante.

As sanções visam diretamente altos funcionários da região noroeste e incluem proibição de viagens e congelamento de ativos.

Nos últimos anos a China tem sido acusada de tortura, prisão arbitrária em campos de detenção e trabalho forçado contra esta minoria. Pequim sempre negou estas acusações e reconhece apenas que os campos de “reeducação” de Xinjiang têm como propósito o combate ao terrorismo.

Devido às fortes suspeitas de trabalho forçado que têm vindo a público, várias marcas de roupa têm enfrentado um forte escrutínio, isto porque a China é um dos maiores produtores mundiais de algodão e grande parte tem origem precisamente na região de Xinjiang.
Mobilização nas redes sociais

No ano passado, H&M e Nike emitiram comunicados separados em que assumiam “preocupação” com os relatos de trabalho forçado da comunidade uigur nas colheitas de algodão em Xinjiang. Nessas declarações, asseguraram que não adquiriam produtos daquela região chinesa.

Mas só agora, após a aplicação de sanções a responsáveis chineses, é que este posicionamento por parte das marcas mereceu a súbita atenção dos consumidores do país. Numa publicação recente nas redes sociais, um grupo de jovens do Partido Comunista Chinês denuncia diretamente a H&M.

“Espalhar rumores para o boicote ao algodão de Xinjiang e, ao mesmo tempo, fazer lucro na China? Queriam vocês!”, refere o grupo numa mensagem publicada na rede social Weibo, com imagens do comunicado da H&M.

O alvo dos ataques têm sido sobretudo empresas norte-americanas e os Estados Unidos. Uma porta-voz do Ministério chinês dos Negócios Estrangeiros relembra a escravatura nos EUA para sublinhar que a situação atual é muito diferente em Xinjiang.



"Mississipi em 1908 vs. Xinjiang em 2015. Uma espingarda e vários cães de caça vs sorrisos e colheitas. Trabalho forçado?", questiona a responsável, num post acompanhado por duas fotografias.

Peijin Zhang, da CGTN - televisão estatal com transmissão em inglês, faz a mesma ligação: "Os americanos viveram tanto tempo com a escravatura que querem associar tudo ao trabalho forçado? O algodão de Xinjiang é o melhor entre os melhores!", afirma.


Sediada na Suécia, a H&M (Hennes & Mauritz) tem a China como uma das suas principais fontes de abastecimento mas também constitui um dos maiores mercados desta marca. Desde que estas suspeitas foram levantadas, a televisão estatal tem-se dedicado a defender o algodão chinês e a atacar as marcas que assumiram preocupações com os uigures.

Recentemente, a CGTN lançou nas redes sociais um vídeo em que um agricultor uigur explicava a importância da colheita de algodão naquela região, adiantando até que os habitantes “lutavam” por trabalhar nos campos de algodão devido aos salários elevados.

A televisão estatal visou também especificamente a H&M ereferiu que a marca fez “um erro de cálculo”, pelo que agora “deve pagar o preço elevado pelas suas ações erradas”.

Outros vídeos divulgados nas redes sociais mostram máquinas que trabalham na recolha de algodão a trabalhar em campos extensos, de forma a evidenciar que a colheita de algodão se tornou mais automatizada nos últimos anos, salienta o Global Times.

 
"Trabalho forçado nas colheitas de algodão de Xinjiang? O que parece é que estamos a forçar as máquinas a fazer esse trabalho. Por exemplo, no condado de Shaya, mais de 80 por cento do algodão é recolhido por máquinas. #ParemComADesinformação", refere no Twitter a representação chinesa na UE.
Próximo alvo: Nike
Na quarta-feira, algumas das maiores plataformas de comércio online – Taobao, T-Mall e JD.com - retiraram de venda os produtos da H&M e várias celebridades anunciaram que vão deixar por completo de comprar produtos da marca.

Nas redes sociais, a hashtag “Apoio o algodão de Xinjiang” é um dos tópicos mais abordados e mencionados pelos utilizadores.

De acordo com o Global Times, um jornal em língua inglesa do Partido Comunista Chinês, a questão do algodão de Xinjiang está a dominar a discussão dos internautas chineses, que apelam ao boicote das marcas envolvidas.

Há mesmo um centro comercial em Urumqi, Xinjiang, onde existe uma loja da H&M, e que exigiu um pedido de desculpas imediato por parte da marca, ou irá garantir o encerramento da loja já amanhã.

A H&M na China respondeu pela rede social Weibo, afirmando que “respeita os consumidores chineses” e que “não representa qualquer posição política”.

Entretanto, a marca chinesa de roupa desportiva Lining, entre outras marcas nacionais, têm anunciado que usam algodão de Xinjiang. “Escolhemos usar o algodão de Xinjiang, que confere aos tecidos um toque de alta qualidade”, refere a Lining, que viu o preço das suas ações a subirem mais de sete por cento.

Outras marcas do setor têxtil obtiveram efeitos positivos na bolsa ao associarem-se ao algodão de Xinjiang, assinala o Global Times.


O mesmo jornal de Pequim assinala, num artigo publicado esta quinta-feira, que a Nike é vista pelos internautas como "ainda pior" que prevê por isso que a marca desportiva norte-americana se torne “no próximo alvo da fúria dos internautas”. O ator Wang Yibo já rescindiu o contrato publicitário com a Nike, afirmando em comunicado que se opõe "firmemente a qualquer ato de difamação contra a China".
Tópicos
pub