Cimeira das Coreias. O que esperar do encontro entre Moon e Kim?

por Andreia Martins - RTP
A "Casa da Paz", onde vai decorrer a cimeira desta sexta-feira, fica na parte sul da aldeia de Panmjnjom, na Zona Desmilitarizada que divide as duas Coreias. Kim Hong-Ji - Reuters

Nove e trinta da manhã (01h30 em Lisboa) foi a hora escolhida pelas Coreias para marcar um encontro com a História. Pela primeira vez desde a Guerra da Coreia (1950-1953), um líder norte-coreano pisa solo sul-coreano, mais precisamente na parte sul da zona desmilitarizada que separa os dois países. A cimeira entre Kim Jong-un e Moon Jae-in está coreografada ao pormenor, mas o desfecho é incerto. Muitos esperam promessas reforçadas de desnuclearização ou até mesmo o armistício de paz esperado desde 1953. O encontro antecede uma outra cimeira histórica, a decorrer entre o próximo mês de maio e junho, com o líder da Coreia do Norte e o Presidente norte-americano como protagonistas.

Há praticamente um ano, quando Moon Jae-in foi eleito Presidente da Coreia do Sul, a 10 de maio, seria difícil ou mesmo impossível acreditar que a relação entre os dois países pudesse evoluir de forma positiva.

Os sucessivos testes nucleares e lançamentos balísticos, as ameaças, insultos e provocações entre Washington e Pyongyang que marcaram o ano de 2017 tinham poucas probabilidades de se metamorfosearem num compromisso diplomático entre as várias partes.  

Quase 12 meses depois, muito mudou nesta região do globo. A aproximação histórica durante os Jogos Olímpicos de Inverno, em PyeongChang, onde os dois países desfilaram sob a mesma bandeira, foi decisiva para resolver o impasse político. Seguiram-se operações de charme, incluindo a delegação de 120 artistas sul-coreanos que se deslocaram à capital norte-coreana no início do mês. Até os Estados Unidos concederam, com os habituais exercícios militares entre Washington e Seul reduzidos no tempo e na imponência.  

A cimeira desta sexta-feira é mais um passo no apaziguamento das relações entre os dois países. O encontro de Kim Jong-un e Moon Jae-in na Zona Desmilitarizada (DMZ), que divide as duas Coreias, será a primeiro entre líderes coreanos em 11 anos.  

E, pela primeira vez desde o fim da guerra dos anos 50, um líder supremo da Coreia do Norte vai pisar território sul-coreano. Os trabalhos vão decorrer na Casa da Paz, edifício sul-coreano localizado na aldeia de Panmunjom. O momento simbólico junto à linha de separação entre os dois países será acompanhado por mais de 2000 jornalistas que viajaram de todo o mundo para a Península Coreana.   

Na ordem de trabalhos estará a melhoria das relações entre os dois países, que tecnicamente continuam em guerra, uma vez que a guerra da Coreia (1950-1953) não terminou com um armistício, mas com tréguas.  

Moon Jae-in, que há muito defende a paz entre as duas Coreias, está decidido a alcançar um tratado de paz neste encontro. Filho de refugiados norte-coreanos e um dos principais arquitetos da “Política do Sol” – que permitiu a aproximação entre os dois países no início milénio – há muito que o Presidente sul-coreano quer ver estabelecido o armistício que tem escapado aos esforços dos últimos 70 anos.   

A cimeira vai durar todo o dia e inclui, além das conversações, a plantação de uma árvore, usando de forma simbólica terra e água de ambos os países, e ainda um banquete com os pratos tradicionais de ambas as Coreias, bem como alguns pratos da gastronomia suíça, em homenagem aos anos que Kim viveu em Berna, durante a infância.
Encontro improvável, mas não inédito 

O encontro entre os líderes das duas Coreias não é inédito. Em 2000 e em 2007, antigos Presidentes sul-coreanos reuniram com Kim Jong-il, pai do atual líder norte-coreano, sem resultados tangíveis. Em ambas as ocasiões, as cimeiras decorreram em Pyongyang, com a máquina de propaganda norte-coreana a aproveitar para retratar a visita como um ato de submissão do país vizinho. 



Em 2000, os acordos versaram sobretudo questões de ajuda humanitária e o reencontro de famílias separadas pela divisão das duas Coreias. O Presidente sul-coreano, Kim Dae-jung, chegou a receber o Prémio Nobel da Paz por esse esforço de aproximação, mas seria mais tarde revelado que Seul efetuou um pagamento de 200 milhões de dólares a Pyongyang pouco antes da cimeira. 

No caso de 2007, Roh Moo-hyun e Kim Jong-il chegaram a lavrar um acordo de paz em oito pontos diferentes. O resultado desta cimeira teria contudo um impacto muito limitado, uma vez que o Presidente sul-coreano já estava na reta final do seu mandato e o seu sucessor, Lee Myung-bak, anulou grande parte do entendimento.



A ajuda económica de Seul voltava, dessa forma, a ficar dependente do compromisso de Pyongyang de abandonar o programa de armas nucleares. De assinalar que estas conversações aconteceram um ano depois do primeiro teste nuclear norte-coreano, em 2006.  
Que tipo de desnuclearização?
Há poucos dias, Kim espantou o mundo com o anúncio da suspensão dos testes nucleares norte-coreanos, bem como do lançamento de misseis de longo alcance. Kim Jong-un disse ainda que pretende encerrar as instalações onde decorrem os testes nucleares e que está pronto para participar em conversações sobre a “desnuclearização” da Península Coreana.

São contudo declarações de intenção que estão a ser lidas à luz de outros dados: muitos suspeitam da boa-fé do líder coreano, que estará antes condicionado por um “colapso” da sua central de ensaios nucleares. O ponto não deixará contudo de ser um dos mais sensíveis da reunião desta sexta-feira.  

Importa desde logo entender quão sérias são estas afirmações de Kim Jong-un e perceber o que significa a palavra “desnuclearização” no dicionário norte-coreano.  

“Uma das prioridades para o Presidente sul-coreano é conseguir que [a Coreia no Norte] diga algo de mais substancial e concreto sobre a desnuclearização”, aponta Evans Revere, antigo especialista da Coreia do Norte no Departamento de Estado norte-americano, em declarações à CNN.

Revere diz ser um do muitos especialistas “céticos” em relação a este ponto em concreto, uma vez que a linguagem usada pela Coreia do Norte “não tem sido muito específica”. O que sugere, argumenta, que os esforços de desnuclearização poderão ser pouco credíveis. Sobretudo quando se trata de um país isolado que apostou e investiu durante décadas no nuclear e fez dessa capacidade um ponto de honra, de orgulho nacional e de sobrevivência do próprio regime, lembrando tantas vezes os 28.500 soldados norte-americanos que continuam estacionados em território sul-coreano.
O ponto de fissão

Além disso, a questão da desnuclearização poderá ser decisiva para definir esse outro encontro, a decorrer entre maio e junho, com Donald Trump. A acontecer, pela primeira vez na história um líder da Coreia do Norte e um Presidente norte-americano estarão na mesma sala, sentados frente-a-frente.  

Donald Trump, que já garantiu a sua “bênção” a um eventual acordo de paz entre as duas Coreias, avisou no entanto que abandonará o processo diplomático caso as negociações com a Coreia do Sul não corram como o esperado, ou seja, falhando um acordo para a desnuclearização nos termos exigidos pelo Ocidente.  

Para tal, torna-se vital assegurar o fim absoluto do programa nuclear norte-coreano e garantir a impossibilidade de um futuro retorno a atividades nucleares.

É difícil conjeturar como se poderá desenrolar no futuro uma verificação fiável e aceite pela comunidade internacional. Importa assinalar que a Coreia do Norte deixou de ser signatária do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) em 2002. Antes, em 1994, o regime eremita deixou de ser membro da Agência Internacional de Energia Atómica (IAEA), instituição que, através de verificação e inspeções regulares e meticulosas, é responsável por asseverar o regime de não-proliferação nuclear. 
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