Covid-19. Presidente do Conselho Europeu de Investigação demite-se e critica UE

por RTP
Yves Herman - Reuters

O presidente do Conselho Europeu de Investigação (CEI) anunciou na terça-feira a sua demissão após divergências relativamente à abordagem da União Europeia à pandemia. Mauro Ferrari diz estar “extremamente desiludido com a resposta europeia à Covid-19”.

Numa declaração publicada pelo Financial Times, Mauro Ferrari anunciou a sua demissão, explicando que tomou esta decisão depois de ter visto a sua proposta negada por Bruxelas. O presidente do Conselho Europeu de Investigação – organismo científico da União Europeia criado para financiar os melhores cientistas europeus – propôs a criação de um programa científico de larga escala para combater a pandemia.

"Fiquei extremamente desiludido com a resposta europeia à Covid-19", afirmou Mauro Ferrari. "Cheguei ao CEI como um fervoroso defensor da UE [mas] a crise do Covid-19 mudou completamente as minhas visões, embora continue a apoiar com entusiasmo os ideais de colaboração internacional", acrescentou.

Ferrari criticou “a completa ausência de coordenação das políticas de saúde entre os Estados-membros, a oposição recorrente a iniciativas de apoio financeiro coesas, o fecho unilateral de fronteiras”.

Ferrari, que se encontrava no cargo apenas há três meses, explicou no comunicado que as divergências com a Comissão Europeia tiveram origem logo no início de março, "quando ficou evidente que a pandemia seria uma tragédia de proporções potencialmente sem precedentes". Foi nessa altura que o cientista apresentou a sua proposta a Bruxelas.

“Eu pensei que em um momento como este, os melhores cientistas do mundo deveriam receber recursos e oportunidades para combater a pandemia, com novos medicamentos, novas vacinas, novas ferramentas de diagnóstico, novas abordagens dinâmicas comportamentais baseadas na ciência, para substituir as intuições frequentemente improvisadas dos líderes políticos”.

A sua proposta acabou por ser rejeitada por unanimidade pelo conselho científico da instituição europeia. Na carta, Ferrari acrescenta que a desilusão foi “parcialmente aliviada” quando a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, requisitou a sua opinião sobre como lidar com a pandemia. No entanto, Ferrari explica que foi criada uma “tempestade política interna”.

"O facto de eu ter trabalhado diretamente com ela [Ursula von der Leyen] criou uma tempestade política interna. A proposta foi passada para diferentes camadas da administração da Comissão Europeia, onde acredito que se desintegrou com o impacto".
“Perdi a fé no próprio sistema”
Ainda no comunicado, o cientista italo-americano explica que as motivações que o levaram a concorrer para este cargo foram “esmagadas por uma realidade muito diferente” nos três meses em que assumiu o cargo.

A pandemia de Covid-19 iluminou sem piedade o quanto eu estava enganado: em tempos de emergência, pessoas e instituições voltam à sua natureza mais profunda e revelam o seu verdadeiro caráter”, disse Ferrari.

“Perdi a fé no próprio sistema”, declarou Ferrari. “Agora é hora de voltar à fronteira, às linhas da frente do combate à Covid-19, com recursos e responsabilidades verdadeiros, longe dos gabinetes de Bruxelas, onde as minhas capacidades políticas são claramente inadequadas”, concluiu.
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