Estudo. Infetados com Covid-19 podem gerar anticorpos vitalícios

por Cristina Sambado - RTP
Reuters

Um estudo, publicado na revista Nature, revelou pela primeira vez que pessoas que contraíram a doença de forma ligeira ou moderada desenvolvem uma célula imunológica capaz de produzir anticorpos contra o SARS-CoV-2 para o resto da vida.

Uma das observações em pessoas infetadas com SARS-CoV-2 revelou que o nível de anticorpos – proteínas capazes de impedir o vírus de infetar as células – começa a diminuir após quatro meses. O importante é perceber se, apesar da queda de anticorpos, o doente desenvolveu também uma resposta imunológica completa, que inclui a criação de glóbulos brancos capazes de recordar e eliminar o vírus, muitos meses e até anos após a primeira infeção. 

Vários estudos têm revelado que as pessoas que passam pela infeção e aquelas que são vacinadas geram uma resposta celular imune que as protege contra reinfeções.

O estudo, publicado pela Nature, revela boas notícias. Os especialistas analisaram 77 doentes que tiveram a doença de forma ligeira ou moderada (grupo sobre o qual existiam dúvidas). Na maioria, os cientistas notaram que os anticorpos diminuem acentuadamente após quatro meses, mas a redução é mais lenta e essas moléculas ainda estão presentes no sangue onze meses após a infeção. Este estudo foi o primeiro a analisar a presença de células plasmáticas de longa vida na medula óssea.

As células plasmáticas são geradas quando um patógeno entra no organismo. No caso da Covid-19, é, por exemplo, a proteína S que o vírus usa para infetar as células humanas.

Após a infeção, essas células imunes viajam pela medula óssea onde permanecem em estado latente. Se o vírus reaparecer, as células regressam à corrente sanguínea e começam novamente a produzir anticorpos. O estudo mostra que na grande maioria dos doentes que conseguiram recolher amostras de medula óssea – 15 de 18 – gerou células plasmáticas no sistema imunológico.

Ali Ellebedy, imunologista da Escola de Medicina da Universidade de Washington e o investigador principal do estudo, destaca em declarações ao jornal espanhol El País: “As células plasmáticas podem durar a vida inteira. Essas células vão continuar e produzir anticorpos para sempre”.
Anticorpos e imunidade
A presença de anticorpos nem sempre significa que a pessoa está “imune” a reinfeção, embora seja provável que isso aconteça.

Ellebedy esclarece que, se os anticorpos produzidos por células de longa vida não forem suficientes, o sistema imunológico ativa as células B de memória, capazes de produzir ainda mais anticorpos.


Este estudo encontrou esses tipos de células em doentes, uma descoberta que é consistente com estudos anteriores que sugerem que a imunidade contra o SARS-CoV- 2 mediada por diferentes tipos de linfócitos e células do sistema imunológico provavelmente dura anos.

Exatamente o que acontece com outras infeções. Os anticorpos e células de memória contra o SARS, um coronavírus que provocou a morte a pelo menos 800 pessoas no início da última década, duram pelo menos 17 anos. Com a varíola, mais de 50 anos após a vacinação, as pessoas retêm células B capazes de produzir anticorpos se o vírus reaparecer no organismo.

“Essas células continuarão a produzir anticorpos eternamente", acrescenta Ali Ellebedy ao jornal El País.

Uma das questões que se coloca é se esse tipo de células do sistema imunológico são capazes de neutralizar as novas variantes que têm vindo a surgir. “Tudo depende de quanto muda a sequência genética do vírus”, frisa Ellebedy.

Estudos anteriores revelaram que o sistema imunológico dos infetados e vacinados neutraliza suavemente as variantes mais graves detetadas até agora. Existem alguns tipos de anticorpos que não conseguem neutralizar o vírus, mas o sistema imunológico nunca aposta tudo numa jogada e produz anticorpos contra muitas proteínas diferentes do vírus e células de memória com as mesmas capacidades, de modo que é muito difícil que a variante escape a todas e, sobretudo, fazer alguém adoecer, a ponto de causar graves problemas de saúde ou até a morte.

É razoável que esse tipo de célula forneça imunidade vitalícia”, afirmou Manel Juan, chefe do serviço de imunologia do Hospital Clinic em Barcelona.

“Essas células de longa vida são uma ajuda na imunidade contra outras doenças por muitos anos”, acrescenta.
Será necessária uma terceira dose da vacina?
Uma das questões que se colocam é apurar se uma terceira dose da vacina será realmente necessária, conforme propõem as farmacêuticas. “Para mim está claro que não é necessário, assim como não seria necessário vacinar quem já teve a doença”, explicou a El País Manel Juan.

África González e Marcos López-Hoyos, da Sociedade espanhola de Imunologia consideram ser “muito cedo para pensar em terceiras doses”.

“É bem provável que a proteção pela doença ou pela vacina seja para toda a vida, embora seja algo que terá que ser analisado”, explicou López-Hoyos.

Para o imunologista, “é necessário estar muito atento ao que acontece com as pessoas mais velhas e com doenças de base. Em todo o caso, pensamos que a necessidade de uma terceira dose não é tanta quanto dizem os CEOs da Pfizer e Moderna. Em qualquer caso, a primeira coisa é vacinar toda a população pela primeira dose. Estudos como estes mostram que a imunização gerada pela infeção é mais protetora do que se pensava”.

“O sistema imunológico gera células de curta, média e longa duração em resposta a uma infeção”, esclarece África González, imunologista da Universidade de Vigo.

Segundo a especialista, “traduzidas em vacinas, existem algumas que fornecem proteção apenas temporárias para anticorpos humorais por cerca de seis meses. São eles que carregam os carboidratos de bactérias e não ativam os linfócitos T”.

“Outras vacinas induzem respostas celulares e humorais que se mantém por alguns anos, como o tétano, que é recomendada de dez em dez anos. Com outras não é necessário vacinar mais depois das três doses recebidas na infância”, remata.
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