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Fome originada pela pandemia pode matar mais pessoas do que a própria Covid-19

por Joana Raposo Santos - RTP
Até ao final deste ano, 270 milhões de pessoas podem passar a sofrer fome "a um nível de crise ou superior". Foto: Mike Hutchings - Reuters

Até ao final deste ano, podem morrer cerca de 12 mil pessoas por dia como consequência da crise de fome originada pela pandemia de Covid-19. Os números são da organização sem fins lucrativos Oxfam e sugerem que a fome possa fazer mais vítimas mortais do que a própria doença provocada pelo novo coronavírus.

A pandemia de Covid-19 já matou mais de meio milhão de pessoas em todo o mundo e os números continuam a crescer exponencialmente em vários países, especialmente no continente americano. De acordo com os dados da Universidade Johns Hopkins, o dia mais mortífero até agora foi 17 de abril, quando 88.90 novas mortes foram registadas por todo o globo.

Já por si elevado, este número contrasta com um muito superior: 12 mil pessoas podem morrer de fome diariamente até ao final de 2020, segundo a ONG Oxfam, que atua em quase uma centena de países para tentar solucionar os flagelos da pobreza e da desigualdade.

“A pandemia é a última gota para milhões de pessoas que já se encontram a lutar contra os impactos de conflitos armados, alterações climáticas, desigualdade e um sistema alimentar que já empobreceu milhões de produtores de alimentos e trabalhadores”, declarou em comunicado citado pela CNN o diretor-executivo da Oxfam, Chema Vera.

Juntando-se a esses problemas já existentes, a crise pandémica veio agora trazer um aumento do desemprego e a redução dos pagamentos de muitos trabalhadores, algo ao qual nem todos os países conseguem responder com um apoio socioeconómico suficientemente sólido para evitar a crise da fome.

Para essa crise contribuem também as restrições de viagens e de circulação de produtos, que não só têm impacto nos agricultores e cadeias de distribuição alimentar, como também na prestação de apoio humanitário, nomeadamente a países onde a fome já é um problema antigo.
As soluções possíveis
A Oxfam apresentou algumas soluções possíveis para o problema da fome. “Os governos podem salvar vidas agora ao financiar na totalidade os apelos da ONU, garantindo que a ajuda chega àqueles que mais dela precisam, e anulando as dívidas de países em desenvolvimento de modo a libertarem os fundos necessários à proteção social e aos cuidados de saúde”, recomendou o diretor-executivo da organização.

“Para acabar com esta crise de fome, os governos devem ainda construir sistemas alimentares mais justos, robustos e sustentáveis que coloquem os interesses dos produtores de comida e dos trabalhadores à frente dos lucros de grandes empresas”, acrescentou.

A Oxfam aproveitou para lançar críticas aos gigantes da indústria da comida e bebida, tais como a Coca-Cola ou a Unilever. “Entretanto, aqueles no topo continuam a fazer lucro: oito das maiores empresas de comida e bebida pagaram mais de 18 ml milhões de dólares a acionistas desde janeiro, mesmo com a pandemia a espalhar-se pelo globo – dez vezes mais do que a ONU diz ser necessário para acabar com a fome no mundo”, lamentou a ONG.
Os dez locais do mundo onde a fome mais foi agravada pela pandemia
A Oxfam aproveitou para sublinhar que a crise de fome não é nenhuma novidade, apenas está em risco de se agravar ainda mais. “A pandemia veio derramar mais petróleo sobre um fogo que já existia”, explicou.

A entidade citou dados do Programa Alimentar Mundial, que estima que no ano passado 821 milhões de pessoas sentiam insegurança alimentar e 149 milhões sofriam “fome a um nível de crise ou superior”. Projeções mais recentes sugerem que esse segundo número aumente este ano para 270 milhões, um aumento superior a 80 por cento, como resultado da Covid-19.

Os dez locais do mundo onde a pandemia mais agravou as situações de fome já existentes são, de acordo com a Oxfam, o Iémen, a República Democrática do Congo, o Afeganistão, a Venezuela, o Sahel, a Etiópia, o Sudão, o Sudão do Sul, a Síria e o Haiti.

Os efeitos da pandemia na crise de insegurança alimentar também se fazem sentir fortemente em países de rendimentos baixos a médios, como o Brasil, a Índia ou a África do Sul, onde “as pessoas que estavam a conseguir fazer uma boa gestão [dos seus rendimentos] foram empurradas pela força da pandemia”.

O Brasil e a Índia são, aliás, os segundo e terceiro países mais atingidos pela Covid-19, apenas superados pelos Estados Unidos. No Brasil o número total de casos de infeção ultrapassa os 1,7 milhões, enquanto na Índia são mais de 767 mil.
EUA não escapam à crise de fome
Mas não só os países mais empobrecidos enfrentam a fome. Nos Estados Unidos, onde o número de contagiados é superior a três milhões, o desemprego cresce a ritmo galopante. Só na passada semana, 1,3 milhões de pessoas solicitaram o subsídio de desemprego.

A organização sem fins lucrativos Feeding America já alertou que 17 milhões de pessoas nos EUA podem estar a viver em situação de insegurança alimentar até ao final deste ano como resultado da pandemia. Se esse número se vier a confirmar, serão 54 milhões as pessoas nos Estados Unidos a terem dificuldade em colocar comida sobre a mesa – o equivalente a um em cada seis habitantes.

“Isto significa um aumento de 46 por cento em relação aos 37 milhões de pessoas que experienciavam insegurança alimentar antes da crise de Covid-19”, frisou Emily Engelhard, uma das diretoras da Feeding America.

A pandemia expôs ainda vulnerabilidades nas cadeias alimentares norte-americanas, com muitas empresas a serem alvo de surtos e, consequentemente, a sofrerem quebras na produção. “Precisamos de uma cadeia de abastecimento mais diversificada, com muitos mais atores”, de modo a evitar este tipo de problemas, considerou à CNN o professor de economia Miguel Gómez.

O especialista não ficou surpreendido com as previsões da Ofxam sobre a crise de fome a nível global. “É claro que o nosso sistema de distribuição de comida tem enormes desigualdades”, considerou, acrescentando que as soluções podem passar pela adoção de políticas globais como o investimento em programas de assistência alimentar.
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