Guerra colonial seria evitada se houvesse líderes visionários dos dois lados diz historiador

por Lusa

Lisboa, 25 abr (Lusa) -- O historiador e fuzileiro norte-americano John Cann considerou hoje à agência Lusa que a guerra colonial que Portugal enfrentou nas três frentes em África -- Angola, Guiné e Moçambique -- teriam sido evitáveis se, dos dois lados, houvesse líderes visionários.

"Talvez fossem evitáveis, mas só se houvesse verdadeiros líderes visionários, mas esta situação não existia. Primeiro, [o presidente do Conselho português, António de Oliveira] Salazar tolerava pouca liberdade política interna, pelo que estava ainda menos inclinado para a tolerar nas então colónias", sustentou.

John P. Cann, reformado dos Marines (1992), tem publicado desde então uma série de livros de história sobre o envolvimento de Portugal nas três frentes de guerra, com o último, publicado este mês pela editora Tribuna da História, a intitular-se "Os Flechas: Caçadores Guerreiros no Leste de Angola -- 1965/74".

John Cann, doutorado em Estudos de Guerra pelo Kings College, da Universidade de Londres, lembrou que, antes do início do conflito em Angola, as condições na antiga colónia portuguesa eram "péssimas", dando como exemplo o caso das práticas de trabalhos forçados.

"Se as alterações feitas durante a guerra tivessem sido criadas antes, e se tivessem sido introduzidas liberdades políticas genuínas, tanto [nas colónias portuguesas] em África como internamente, talvez a população tivesse ficado inequivocamente ao lado de Portugal", defendeu.

"Isto nunca aconteceria com Salazar e não aconteceu com (o presidente do Conselho que lhe sucedeu, Marcelo) Caetano, pois os dois líderes nacionalistas estavam lado a lado", sustentou o capitão de mar e guerra aposentado.

Mas as observações do autor estendem-se também aos líderes dos movimentos nacionalistas, como Holden Roberto (UPA/FNLA), Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos (MPLA), Amílcar Cabral (PAIGC) ou Eduardo Mondlane (Frelimo).

"Todos detinham o poder com o partido Estado sem quaisquer liberdades políticas e poucas económicas. Se se vivesse em qualquer numa das três colónias portuguesas em África, ter-se-ia claramente percebido que, apesar dos defeitos significativos do poder português, a alternativa era ainda pior", sustentou.

Por essa razão, acrescentou, Portugal "nunca teve qualquer dificuldade" em recrutar cidadãos africanos para servir nas Forças Armadas e lutar em nome delas, sendo disso um "bom exemplo" a utilização dos Flechas

Os "Flechas", inicialmente conhecidos por "Corpo Auxiliar", foram uma força especial indígena criada em 1966 em resposta a uma necessidade da Polícia Internacional de Defesa do Estado -- Direção Geral de Segurança (PIDE/DGS) para a recolha de informações de interesse político-militar português no Leste de Angola.

No início, a força criada pelo antigo inspetor da polícia política portuguesa António Fragoso Allas, com os "tentáculos" das ações desestabilizadoras lusas a estenderem-se também ao Congo, Namíbia, Zaire (atual RDCongo) e Zâmbia, contava com apenas oito homens, mas, até 1974, ultrapassaram os 2.000.

Os bosquímanos eram recrutados entre a milenar população de caçadores coletores que residem nas planícies e savanas do leste de Angola, Namíbia e deserto do Karoo (região semidesértica na Africa do Sul).

Entre outras obras, John P. Cann é autor "Counterinsurgency in Africa: The Portuguese Way of War -- 1961/1974" (tese de doutoramento), "A Marinha em África: Angola, Guiné e Moçambique -- Campanhas Fluviais 1961/74" (2009) e "Plano de Voo África: O Poder Aéreo Português na Contrassubversão - 1961/74" (2017).

Para a série Africa@War, já publicou, em Inglês, o livro "The Flechas, The Commandos, The Paras and The Fuzileiros" -- "Os Paras" saiu em Portugal em 2017 e "Os Flechas" agora, estando previsto para breve os restantes dois.

Atualmente, John Cann está a escrever um livro similar sobre a utilização da Cavalaria nas guerras em Angola e Moçambique.

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