Guiné-Conacri: Forças especiais reclamam captura de Presidente e dissolução de instituições

Está em curso um alegado golpe de Estado na Guiné-Conacri. Um grupo de homens com uniforme militar afirma ter capturado o Presidente Alpha Condé e dissolvido as instituições, mas o Ministério da Defesa garante que a tentativa de golpe foi fracassada. Durante a manhã, foram ouvidos tiros em Conacri, a capital do país.

RTP c/ Lusa /
Vários moradores confirmaram um tiroteio prolongado durante a manhã de domingo na capital da Guiné-Conacri Reuters

Num vídeo publicado na rede social Youtube, um militar identificado como tenente-coronel Mamadi Doumbouya afirma que a situação sócio-política e económica do país, a disfunção das instituições republicanas, a instrumentalização da justiça, a politização da administração pública e a pobreza endémica estão entre os motivos do golpe.


"Decidimos, depois de retirar o Presidente, que atualmente está connosco (...), dissolver a Constituição em vigor e dissolver as instituições; decidimos também dissolver o Governo e fechar as fronteiras terrestres e aéreas", disse o militar, que se apresenta de uniforme e armado, numa declaração divulgada nas redes sociais, mas não transmitida pela televisão nacional.

Os golpistas, que confirmaram ao correspondente da Agência France Presse (AFP) a origem do vídeo, divulgaram imagens do Presidente, nas quais lhe perguntam se foi maltratado, tendo Alpha Condé, vestido com calças de ganga e camisa e sentado num sofá, recusado responder.

 

Por seu lado, o Ministério da Defesa apenas confirma que "insurgentes semearam o medo" em Conacri antes de tomarem o palácio presidencial, mas que "a guarda presidencial, apoiada pelas forças de defesa e segurança leais e republicanas, conteve a ameaça e repeliu o grupo de atacantes".

Tiros de armas automáticas no centro de Conacri

Durante a manhã foram ouvidos tiros de armas automáticas e eram avistados muitos soldados nas ruas do centro de Conacri, contaram várias testemunhas à AFP.

Na altura, as autoridades não comentaram a situação e nenhuma explicação foi dada para a tensão em Kaloum, no centro de Conacri, onde estão localizados os edifícios da presidência, das instituições e de escritórios comerciais.

Os moradores daquela zona, contactados por telefone, confirmaram um tiroteio prolongado. Os mesmos moradores, que preferiram manter o anonimato por razões de segurança, contaram que muitos soldados ordenaram às pessoas que voltassem para casa e que não saíssem à rua.

 

 

Nos últimos meses, a Guiné-Conacri, país da África Ocidental que faz fronteira com a Guiné-Bissau enfrenta uma profunda crise política e económica, agravada pela pandemia de Covid-19. O país é um dos mais pobres do mundo, apesar dos consideráveis recursos minerais e hidrológicos.

Terceira candidatura de Condé e tentativa para deter comandante das forças especiais

Um diplomata ocidental adiantou à agência de notícias francesa AFP considerar "sem qualquer dúvida" que estava em curso uma tentativa de golpe, liderada por forças especiais guineenses.

Ainda de acordo com o mesmo diplomata, a tensão poderá estar relacionada com a demissão ou tentativa de deter o comandante das forças especiais, uma unidade com mais recursos e privilégios do que outras forças de segurança.

A candidatura do presidente Alpha Condé a um terceiro mandato, considerado inconstitucional pela oposição, em 18 de outubro de 2020, gerou meses de tensão que resultou em dezenas de mortes num país acostumado a confrontos políticos sangrentos. A eleição foi precedida e seguida da detenção de dezenas de opositores.

Condé, atualmente com 83 anos, foi proclamado Presidente - num terceiro mandato - em 07 de novembro, apesar da contestação do seu principal adversário, Cellou Dalein Diallo, e de três outros candidatos que denunciaram ter havido "enchimento de votos" e irregularidades de todos os tipos.

Vários defensores dos direitos humanos criticam a tendência autoritária observada durante os últimos anos na presidência de Condé e questionam as conquistas do início da sua governação.

Condé, um ex-opositor histórico, preso e até condenado à morte, tornou-se, em 2010, no primeiro Presidente eleito democraticamente no país, após décadas de regimes autoritários.


Aos olhos de seus opositores e de muitos defensores da democracia, Condé acabou por se juntar às fileiras de líderes africanos que permanecem no poder além do prazo, usando, cada vez com mais frequência, argumentos jurídicos.

Conde tinha adotado, em março de 2020, uma nova Constituição para, segundo alegou na altura, "modernizar (as) instituições" e, por exemplo, dar mais importância às mulheres e aos jovens.

A oposição denunciou a medida considerando-a "um golpe constitucional", mas o protesto foi severamente reprimido em várias ocasiões.

Em 19 de julho de 2011, Alpha Condé, tinha já sido alvo de um ataque perpetrado por soldados na sua própria residência, do qual saiu ileso, e acusou várias personalidades do golpe, tendo mesmo implicado o Senegal e a Gâmbia, que negaram qualquer envolvimento.
Tópicos
PUB