Hong Kong. Manifestantes "estão a empurrar cidade para abismo", diz chefe do Governo

por RTP
A líder afirmou que o território "está seriamente ferido" e que levará "muito tempo a recuperar" Thomas Peter - Reuters

A chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, avisa que os manifestantes estão a "empurrar a cidade para o abismo" e pede-lhes que "se acalmem". Esta terça-feira, pelo segundo dia consecutivo, novos protestos levaram ao cancelamento de voos no aeroporto internacional da Região Administrativa Especial.

É a 10ª semana consecutiva de protestos e confrontos entre a polícia e os manifestantes. Após os protestos naquele que é o oitavo aeroporto internacional mais frequentado do mundo, os manifestantes regressaram esta terça-feira à infraestrutura, vestidos de preto e gritando "Levanta-te Hong Kong, levanta-te para a liberdade".

Os novos protestos já voltaram a levar ao cancelamento das operações de check-in, segundo a administração aeroportuária, que cita "interrupções causadas por protestos anti-Governo".

Carrie Lam respondeu entretanto aos acontecimentos de segunda-feira, mas a posição previamente adotada não se alterou.

Em conferência de imprensa, a chefe do Governo disse que "a violência (…) vai empurrar Hong Kong para um abismo e mergulhar a sociedade de Hong Kong numa situação preocupante e perigosa".

"Pensem por cinco minutos, pensem na nossa cidade. Querem realmente que seja empurrada para o abismo?", questionou Lam.

A líder afirmou que o território "está seriamente ferido" e que levará "muito tempo a recuperar". Pediu ainda que "todos coloquem as diferenças de lado e se acalmem".

Acrescentou ainda que a situação em Hong Kong a deixou "muito preocupada" e temia que o território estivesse "a ir por um caminho sem retorno".

Os comentários apresentaram semelhanças com as declarações de um agente do Gabinete de Ligação chinês, que afirmou que a cidade estaria a deslizar para "um abismo sem fundo se as atrocidades continuarem".


A agência de notícias chinesa Xinhua disse que o futuro de Hong atravessava "um momento crítico" e que o território tinha mostrado "sinais de terrorismo".

Esta segunda-feira, dois meios de comunicação do Partido Comunista chinês, o Diário do Povo e o Global Times, difundiram vídeos que mostravam militares armados e viaturas de transporte de tropas a dirigirem-se alegadamente para Shenzhen, que faz fronteira com Hong Kong.

Quando questionada sobre a atuação das autoridades policiais, que tem sido criticada pelo recurso à violência, admitiu estar “de coração partido” com os relatos de ferimentos graves nos protestos do último fim de semana.

Contudo, defendeu a polícia das acusações de uso desproporcionado de força, dizendo que estava a agir sob "circunstâncias extremamente difíceis" e que as operações policiais "não são determinadas por alguém como eu", mas são resultado de "decisões no momento".

Algumas gravações captaram a polícia a disparar munições não-letais sobre os manifestantes, a espancá-los com cassetetes e a utilizar gás lacrimogéneo.

As declarações de Carrie Lam foram recebidas com hostilidade por parte dos jornalistas presentes, que desencadearam uma ronda de perguntas em inglês e cantonês e condenaram a resposta da líder do Governo aos protestos de segunda-feira.


"Mas tem consciência?", perguntou um jornalista, segundo a AFP.

"Coloca a culpa dos seus próprios erros políticos nos outros e recusa-se a reconhecê-los", questionou outro.

"Quando vai assumir a responsabilidade política para acabar o medo dos cidadãos? Quando vai demitir-se? Quando vai dizer à polícia para parar?", questionou a RTHK, a emissora pública de Hong Kong.

Um outro jornalista perguntou se a líder tinha autonomia para revogar a lei da extradição ou se a China teria de aprovar o ato. "Por outras palavras, as suas mãos têm estado atadas por Pequim ou isto tem sido um ponto de orgulho político da sua parte em recusar-se a ouvir os pedidos dos manifestantes?"

Carrie Lam evitou responder a todas as perguntas, replicando que já tinha respondido anteriormente.
Lei de extradição na origem dos protestos
As manifestações foram motivadas por uma alteração legislativa que possibilitaria a extradição de réus para serem julgados na China continental, de acordo com as leis chinesas. Tal significaria que o código penal de Hong Kong deixaria de ser completamente autónomo.

Milhões de pessoas acreditaram tratar-se de uma tentativa de Pequim de reforçar o controlo sobre o território semiautónomo e colocar em causa a independência dos tribunais. O que deu lugar aos protestos do último mês, quebrando até o recorde de maior número de manifestantes: dois milhões.

Face à adesão crescente aos protestos, Carrie Lam suspendeu as negociações sobre a proposta, mas recusou revogá-la definitivamente, o que prolongou as manifestações.

Por outro lado, a lei de extradição invocou outras preocupações como a democracia, o futuro do território e a sua autonomia, visto que, em 2047, termina o acordo com a China, estabelecido em 1997. Foi através deste acordo que se estabeleceu a autonomia de Hong Kong, mas este tem a validade de 50 anos. E não define o que acontecerá posteriormente.

Os protestos já levaram à invasão do Parlamento, em julho, no 22.º aniversário da transferência de Hong Kong para a China.

Porém, a China mantém uma posição firme. "A única forma de a Região Administrativa Especial sustentar um crescimento económico e manter a estabilidade é integrar mais o seu próprio desenvolvimento no desenvolvimento total da nação".
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