A chefe do Executivo de Hong Kong, Carrie Lam, avisa que os manifestantes estão a "empurrar a cidade para o abismo" e pede-lhes que "se acalmem". Esta terça-feira, pelo segundo dia consecutivo, novos protestos levaram ao cancelamento de voos no aeroporto internacional da Região Administrativa Especial.
É a 10ª semana consecutiva de protestos e confrontos entre a polícia e os manifestantes. Após os protestos naquele que é o oitavo aeroporto internacional mais frequentado do mundo, os manifestantes regressaram esta terça-feira à infraestrutura, vestidos de preto e gritando "Levanta-te Hong Kong, levanta-te para a liberdade".
Os novos protestos já voltaram a levar ao cancelamento das operações de check-in, segundo a administração aeroportuária, que cita "interrupções causadas por protestos anti-Governo".
Carrie Lam respondeu entretanto aos acontecimentos de segunda-feira, mas a posição previamente adotada não se alterou.
Em conferência de imprensa, a chefe do Governo disse que "a violência (…) vai empurrar Hong Kong para um abismo e mergulhar a sociedade de Hong Kong numa situação preocupante e perigosa".
"Pensem por cinco minutos, pensem na nossa cidade. Querem realmente que seja empurrada para o abismo?", questionou Lam.
A líder afirmou que o território "está seriamente ferido" e que levará "muito tempo a recuperar". Pediu ainda que "todos coloquem as diferenças de lado e se acalmem".
Acrescentou ainda que a situação em Hong Kong a deixou "muito preocupada" e temia que o território estivesse "a ir por um caminho sem retorno".
Os comentários apresentaram semelhanças com as declarações de um agente do Gabinete de Ligação chinês, que afirmou que a cidade estaria a deslizar para "um abismo sem fundo se as atrocidades continuarem".
A agência de notícias chinesa Xinhua disse que o futuro de Hong atravessava "um momento crítico" e que o território tinha mostrado "sinais de terrorismo".
Esta segunda-feira, dois meios de comunicação do Partido Comunista chinês, o Diário do Povo e o Global Times, difundiram vídeos que mostravam militares armados e viaturas de transporte de tropas a dirigirem-se alegadamente para Shenzhen, que faz fronteira com Hong Kong.
Quando questionada sobre a atuação das autoridades policiais, que tem sido criticada pelo recurso à violência, admitiu estar “de coração partido” com os relatos de ferimentos graves nos protestos do último fim de semana.
Contudo, defendeu a polícia das acusações de uso desproporcionado de força, dizendo que estava a agir sob "circunstâncias extremamente difíceis" e que as operações policiais "não são determinadas por alguém como eu", mas são resultado de "decisões no momento".
Algumas gravações captaram a polícia a disparar munições não-letais sobre os manifestantes, a espancá-los com cassetetes e a utilizar gás lacrimogéneo.
As declarações de Carrie Lam foram recebidas com hostilidade por parte dos jornalistas presentes, que desencadearam uma ronda de perguntas em inglês e cantonês e condenaram a resposta da líder do Governo aos protestos de segunda-feira.
"Mas tem consciência?", perguntou um jornalista, segundo a AFP.
"Coloca a culpa dos seus próprios erros políticos nos outros e recusa-se a reconhecê-los", questionou outro.
"Quando vai assumir a responsabilidade política para acabar o medo dos cidadãos? Quando vai demitir-se? Quando vai dizer à polícia para parar?", questionou a RTHK, a emissora pública de Hong Kong.
Um outro jornalista perguntou se a líder tinha autonomia para revogar a lei da extradição ou se a China teria de aprovar o ato. "Por outras palavras, as suas mãos têm estado atadas por Pequim ou isto tem sido um ponto de orgulho político da sua parte em recusar-se a ouvir os pedidos dos manifestantes?"
Carrie Lam evitou responder a todas as perguntas, replicando que já tinha respondido anteriormente.
Lei de extradição na origem dos protestos
As manifestações foram motivadas por uma alteração legislativa que possibilitaria a extradição de réus para serem julgados na China continental, de acordo com as leis chinesas. Tal significaria que o código penal de Hong Kong deixaria de ser completamente autónomo. Face à adesão crescente aos protestos, Carrie Lam suspendeu as negociações sobre a proposta, mas recusou revogá-la definitivamente, o que prolongou as manifestações.
Por outro lado, a lei de extradição invocou outras preocupações como a democracia, o futuro do território e a sua autonomia, visto que, em 2047, termina o acordo com a China, estabelecido em 1997. Foi através deste acordo que se estabeleceu a autonomia de Hong Kong, mas este tem a validade de 50 anos. E não define o que acontecerá posteriormente.
Os protestos já levaram à invasão do Parlamento, em julho, no 22.º aniversário da transferência de Hong Kong para a China.