Médio Oriente. Exército israelita acusado de usar os media para enganar o Hamas

por Inês Moreira Santos - RTP
Haitham Imad - EPA

A escalada de violência entre as forças armadas israelitas e o movimento islâmico xiita Hamas na Palestina continua, com o lançamento de rockets contra cidades de Israel e bombardeamentos contra várias localidades na Faixa de Gaza. O número de mortos palestinianos já é superior a uma centena, com várias crianças e mulheres atingidas nos ataques. Mas as armas de fogo e a artilharia pesada não são os únicos instrumentos nestes combates violentos: os media acusam os militares israelitas de os usar como armadilha.

Passava pouco da meia-noite de sexta-feira, 14 de maio, quando vários órgãos de comunicação receberam a informação de que as tropas israelitas estavam a invadir a Faixa de Gaza, no âmbito da operação militar em curso contra o movimento islâmico xiita Hamas.

"A força aérea israelita e as tropas terrestres estão a realizar um ataque na Faixa de Gaza", anunciou o exército israelita através do Twitter, confirando a entrada de soldados no enclave palestiniano.

Após os alertas em todo o mundo e as especulações sobre uma escalada contra os palestinianos, Israel veio esclarecer que não passou de um mal-entendido e que os militares israelitas não entraram no território. Mais de uma hora depois do anúncio, o exército emitiu novo comunicado com um "esclarecimento" para dizer que "não havia soldados" em Gaza, alegando um "problema de comunicação interna" para justificar a confusão.

Nenhum militar israelita entrou na Faixa de Gaza, mas vários órgãos de comunicação em todo o mundo já tinham dado a informação de que estava em curso uma ofensiva terrestre contra o movimento xiita Hamas. Enquanto se espalhava o alarme, o Exército abriu fogo contra os alvos em Gaza, mas a partir do território israelita, ao mesmo tempo que cotinuavam os bombardeamentos aéreos.

Analistas políticos e especialistas israelitas consideram que o Governo enganou os media intencionalmente, usando a comunicação social, local e internacional, como uma armadilha para atrair militantes do Hamas.

"Não mentiram", comentou Or Heller, um veterano militar e correspondente do Canal 13 de Israel. "Foi uma manipulação. Foi inteligente e teve sucesso".

A intenção, segundo o New York Times, era enganar os militante do Hamas, fazendo-os acreditar que tinham começado a invadir o território e, assim, obrigando-os a responder ao ataque, atraindo muitos dos combatentes para um ataque mortal de Israel.
"Engano" israelita terá sido "armadilha mortal"

Na quinta-feira, num evidente sinal de que o conflito podia escalar nas horas e dias seguintes, o ministro da Defesa de Israel aprovou a mobilização de mais 9.000 soldados reservistas e o porta-voz militar de Israel, Hidai Zilberman, confirmou que se tinha concentrado na fronteira com a Faixa de Gaz um reforço de efetivos.

Perante o aumento dos disparos de ‘rockets’ do Hamas e da ‘jihad’ islâmica, o exército israelita posicionou tanques e outros veículos blindados ao longo das barreiras que separam Israel do enclave palestiniano, do qual o exército israelita se tinha retirado unilateralmente em 2005, anunciando uma possível invasão.

Em investidas anteriores, as incursões terrestres acabaram por resultar na destruição generalizada de Gaza, com muitas vitimas mortais. Com a artilharia pesada a postos, estava tudo preparado para o avanço na madrugada de sexta-feira.

O porta-voz das Forças Armadas, o tenente-coronel Jonathan Conricus, assumiu a responsabilidade do anúncio falso, numa conferência de imprensa na sexta-feira à noite, alegando que tinha entendido mal as informações que recebeu "do terreno" e anunciou a invasão da Faixa de Gaza sem confirmar as indicações.

Este "falso alarme" israelita levou muitos dos combatentes do Hamas a dirigirem-se para uma rede de túneis subterrâneos no norte de Gaza, que acabou por ser bombardeada nessa madrugada por 160 aviões de guerra israelitas durante cerca de 40 minutos.

"Foi assim que os túneis se tornaram armadilhas mortais para os terroristas em Gaza", emitiu a estação de notícias do Canal 12 de Israel, afirmando ainda que a disseminação de desinformação aos jornalistas estrangeiros tinha sido uma "manobra planeada".

A imprensa israelita em hebraico chegou mesmo a elogiar, na sexta-feira, as forças armadas israelitas por terem enganado e atraídos os combatentes do Hamas para os túneis antes de os bombardear, afirmando que "o plano funcionou".

"O que vimos esta noite foi uma operação muito sofisticada camuflada pelos media", disse Heller.
Media como alvo de Israel

Após o anúncio de uma possível invasão israelita à Faixa de Gaza, foram muitos os jornalistas internacionais e correspondentes que se deslocaram para o terreno para confirmar a informação. Já no local, os órgãos de comunicação perceberam que não estava em curso nenhuma invasão e alguns até o revelaram através do Twitter.

A Associated Press, por exemplo, depois de ter confirmado com oficiais e jornalistas de guerra em Gaza, concluiu que não houve incursão terrestre e não divulgou a informação emitida pelo exército israelita.

Já Felicia Schwartz, correspondente do Wall Street Journal, disse que noticiou e alertou para uma ofensiva terrestre após receber a confirmação explícita do tenente-coronel Jonathan Conricus, porta-voz militar.

Num comunicado publicado no Twitter, a jornalista revelou que Conricus lhe "disse diretamente: 'Há tropas terrestres em Gaza'. Usei esta informação como base para uma primeira história. Ele negou esta afirmação duas horas depois e eu mudei a história".

Horas depois Conricus desculpou-se com uma "falha de comunicação interna".

"Essas coisas às vezes podem acontecer no meio de uma operação complexa e com uma imagem pouco clara do que estava a acontecer", disse. "Assim que percebi que tinha a informação errada, atualizei as pessoas relevantes com um esclarecimento".

Posteriormente, na conferência de imprensa de esclarecimento com o porta-voz das Forças Armadas, representantes do New York Times, The Washington Post, The Wall Street Journal, National Public Radio e Agence France-Presse, que noticiaram a falsa invasão terrestre, questionaram o seu papel neste conflito e se se tinham transformado em "objetos para os militares".

Além disso, os jornalistas puseram em causa a confiança, a partir de agora, nos militares israelitas, depois de terem demorado horas para desmentir uma informação falsa já veícula na comunicação social.

O coronel Conricus garantiu, então, que não houve nenhuma "tentativa de enganar alguém ou fazer com que se escrevesse algo que não fosse verdade", acrescentando que a situação tinha sido "francamente embaraçosa".

Contudo, o porta-voz reconheceu que os militares pretendiam enganar os combatentes em Gaza, através de táticas como posicionar ruidosamente um grande número de tanques e outros veículos blindados até a fronteira - como se uma invasão estivesse de facto prestes a ocorrer.

O objetivo, explicou ainda, era induzir as equipas de mísseis do Hamas a emergir dos seus esconderijos para atacar os militares israelitas, permitindo que se descobrisse e atacesse as suas posições. Assim, o exército pretendia também atrair outros combatentes palestinianos a entrar na rede de túneis subterrâneos.

"Ninguém aqui nesta conferência foi o público-alvo", disse o Coronel Conricus. "O público-alvo são, esperamos, os terroristas mortos que agora estão dentro do túnel. O que o IDF queria criar era uma situação em que eles descessem para os túneis para que os pudéssemos atacar".

Mesmo depois dos esclarecimentos, fica no ar a dúvida. Os media israelitas acusam as Forças Armadas de terem enganado os media internacionais. As autoridades negam e admitem um erro por "falha de comunicação". Mas o falso alarme da madrugada de sexta-feira, seguido de um ataque aos combatentes do Hamas, pode ter minado a relação já complicada entre o exército israelita e os jornalistas estrangeiros.

Entretanto, este sábado as Forças Armadas israelitas avisaram que vão bombardear o edifício que alberga meios de comunicação como o Al Jazeera na cidade de Gaza.

Numa mensagem em hebraico, publicada no Twitter, lê-se: "O exército israelita dá uma hora para evacuar o prédio que abriga escritórios de imprensa internacionais, incluindo a Al Jazeera".
Mais de 140 mortos desde o início dos confrontos
Já morreram pelo menos 140 palestinianos, incluindo 40 crianças, na Faixa de Gaza na atual escalada de violência com Israel, que começou na passada segunda-feira, de acordo com o Ministério da Saúde do território.

Segundo a agência Efe, cerca de mil pessoas ficaram feridas desde que as milícias palestinianas começaram o lançamento de 'rockets' para Israel, que respondeu com grandes ataques contra o enclave sob bloqueio. Dos dois lados, as autoridades contabilizaram 149 mortos, dos quais 140 em território palestiniano e nove em Israel, entre os quais um adolescente e uma criança.

No total, desde o início dos confrontos, foram disparados cerca de 2.300 'rockets' por parte das milícias da Faixa de Gaza, lideradas pelo Hamas, de acordo com o exército israelita.

De todos os lançamentos, 380 foram falhados e caíram dentro da Faixa de Gaza, enclave costeiro palestiniano, e cerca de mil foram intercetados pelo sistema antimísseis israelita, conhecido como 'Cúpula de Ferro'.

O exército israelita, por seu lado, diz só atacar alvos pertencentes às milícias do Hamas e da Jihad Islâmica e os seus membros, e estima ter já matado cerca de 30 milicianos, entre os quais altos comandos.

Os bombardeamentos israelitas destruíram, nas últimas horas, instalações dos serviços de informações pertencentes ao Hamas, bem como armazéns de 'rockets', de acordo com o exército israelita.

Recorde-se que os combates começaram a 10 de maio, após semanas de tensão entre israelitas e palestinianos em Jerusalém Oriental, que culminaram com confrontos na Esplanada das Mesquitas, o terceiro lugar sagrado do islão junto ao local mais sagrado do judaísmo. Ao lançamento maciço de foguetes por grupos armados em Gaza em direção a Israel opõe-se o bombardeamento sistemático por forças israelitas contra a Faixa de Gaza.

O conflito israelo-palestiniano remonta à fundação do Estado de Israel, cuja independência foi proclamada em 14 de maio de 1948.
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