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O mundo em casa

por Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP
Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP DR

Numa União Europeia constituída por Estados soberanos e interdependentes, a resposta à crise económica provocada pela Covid-19 assenta num consenso mínimo que expõe cada vez mais a clivagem entre o Norte e o Sul.

Mais uma vez, ficou descartado qualquer tipo de emissão de títulos da dívida a nível europeu. Esta é uma exigência dos Estados que pagam juros mais elevados nos mercados, mas esbarra sistematicamente na vontade dos Estados que pagam juros mais baixos, entre os quais se encontra a Alemanha.

O facto de Itália, potência económica e Estado fundador da construção europeia, liderar o coro de vozes do Sul conjugado com a dimensão da crise que se avizinha fez acalentar esperanças em torno de uma eventual mudança de paradigma. Porém, a oposição soberana da Alemanha e o comportamento histriónico da Holanda serviram como choque de realidade para os mais líricos.

Os ministros das Finanças da Zona Euro, acompanhados na reunião pelos colegas dos outros Estados-membros da União, chegaram ontem à noite a um acordo de mínimos que tem como pilar a possibilidade de os Estados acorrerem a financiamento na ordem dos 540.000 milhões de euros sem condicionalidade política directa. Os países poderão pedir até 2% do seu produto interno bruto.

Em termos práticos, são utilizados instrumentos criados no rescaldo da crise das dívidas soberanas (Mecanismo Europeu de Estabilidade) para despesas directa ou indirectamente relacionadas com a saúde até 240.000 milhões de euros; o Banco Europeu de Investimento, que disponibilizará 200.000 milhões de euros para apoiar pequenas e médias empresas; e a Comissão Europeia que contará com uma linha de 100.000 milhões de euros (dívida contraída pela própria Comissão) para evitar despedimentos massivos. Ficou ainda aberta a porta à criação de um Fundo Europeu de Reconstrução, mas sem nada ter sido ainda concretizado a esse respeito.

Desengane-se, mais uma vez, quem esperava uma espécie Plano Marshall europeu, uma mutualização parcial da dívida ou uma chuva de dinheiro semelhante à que a administração norte-americana está a começar a lançar sobre a economia nacional. As instituições financeiras europeias foram desenhadas à luz das instituições financeiras da República Federal da Alemanha que, por sua vez, tinham sido erguidas com o propósito quase obsessivo de evitar uma crise hiperinflacionária semelhante à que permitira a ascensão do nazismo. O oposto à lógica da Reserva Federal dos Estados Unidos que tivera que responder à crise deflacionária dos anos 30.

A União Europeia continua, assim, a não ser capaz de dar um golpe de efeito que surpreenda interna e externamente. Ao longo dos últimos anos, criou uma rotina de salvação in extremis que lhe permite sobreviver, em grande medida ancorada ao fantasma do caos e da miséria que provocaria o fim do euro, mas que é cada vez menos entusiasmante. Resta saber se este tipo de resposta é elástico ao ponto de se eternizar ou se acabará por quebrar num contexto de nacionalismos em alta.
Sugestão

Em dias monopolizados pela pandemia e pelas suas consequências, para manter a perspectiva, vale a pena fugir durante algumas horas ao imediato. É o que estou a fazer graças à obra “A Era dos Muros” de Tim Marshall, publicado em português pela Saída de Emergência, e que se centra na forma como o nacionalismo está a potenciar novas barreiras e a reforçar muros e fronteiras por todo o mundo.

Boa Páscoa.

Nota: o autor escreve respeitando a ortografia pré-acordo ortográfico.
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