O mundo em casa

por Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP
Filipe Vasconcelos Romão, comentador de Política Internacional da RTP DR

O vídeo da reunião de Jair Bolsonaro com os seus ministros, revelado na semana passada, constitui o enésimo choque de realidade mediático sobre o actual governo federal brasileiro.

A comunicação social, em geral, mostrou-se surpreendida com a linguagem desbragada e com o tom que dominou o encontro. No entanto, ninguém minimamente atento (nem Sérgio Moro) poderá dizer que Bolsonaro é imprevisível: o guião da sua presidência foi escrito ainda antes da campanha eleitoral, durante mais de vinte anos como deputado federal.

O actual presidente não terá deixado qualquer pegada legislativa na sua passagem pela Câmara dos Deputados, mas enriqueceu arquivos com longas entrevistas e declarações em que os seus propósitos e posicionamento ideológico (machismo, apoio à ditadura militar, desprezo pelos adversários) eram bem patentes. Uma parte dos analistas e políticos terão pensado que o poder suavizaria Bolsonaro, mas não podem alegar desconhecimento da personagem.

O mais grave no som e na imagem captados na reunião não foram, no entanto, o tratamento ligeiro dado às questões de Estado nem o calão utilizado, mas sim a falta de empatia que aquele presidente e que uma parte daqueles ministros revelaram em relação a um sistema constitucional que têm por obrigação respeitar e ao qual têm que se submeter.

Sugerir a detenção de governadores, o controlo pessoal de forças de segurança e gabar-se da existência de um sistema de informações paralelo ao do Estado são factos graves e será importante perceber se as instituições estão à altura destes desafios.

Até agora, o sistema político e constitucional brasileiro tem contido as investidas autoritárias do presidente da República. O Congresso (incluindo deputados e senadores que já passaram pela base de apoio do presidente) e o Supremo Tribunal Federal vão contrariando ordens presidenciais e parecem não se amedrontar com a pressão política da família Bolsonaro e dos fanáticos que os ameaçam através das redes sociais.

A saída de Sérgio Moro implicou o fim da coligação entre a facção “Lava-Jato” e o bolsonarismo abrindo definitivamente as portas para a radicalização do discurso e da acção da política. Esta ruptura levou a uma nova etapa do actual mandato, sendo necessário estar atentos a duas questões.

Em primeiro lugar, Bolsonaro está a tentar blindar a sua presidência com um acordo informal com os partidos do denominado “centrão” através da nomeação de cargos intermédios a troco do bloqueio à sua destituição. No entanto, o apoio destes deputados não é elástico e uma alteração da conjuntura (crise económica profunda) poderá determinar a ruptura entre as partes.

Em segundo lugar, devemos olhar para o principal partido (informal) de governo: as forças armadas. O atual executivo (primeira e segunda linhas) conta com um peso desproporcional de militares, alguns no activo. Estes não são, porém, um corpo homogéneo. Ocasionalmente, lançam sinais contraditórios sobre a governação e não estarão confortáveis com a forma como o presidente estimula o desenvolvimento de milícias armadas.

A partir do dia 1 de Janeiro de 2021, em caso de destituição do presidente, o vice-presidente assume a chefia de Estado até ao fim do mandato (31 de Dezembro de 2022). Esse momento será determinante para confirmar o apoio efectivo com que Bolsonaro conta entre os militares.

A possibilidade de ter um general, Hamilton Mourão, na presidência conjugada com uma crise económica profunda será um dos testes mais importantes a que Bolsonaro se irá submeter, sobretudo quando não conta com uma oposição estruturada capaz de construir uma alternativa de poder.

Nota: o autor escreve respeitando a ortografia pré-acordo ortográfico.
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