Mais de mil figuras políticas europeias criticaram numa carta aberta o plano de Israel para a anexação da Cisjordânia, alegando que tal ação seria "fatal para as perspetivas de paz entre Israel e Palestina". O manifesto representa 25 países europeus, incluindo Portugal, que pretendem uma solução de dois Estados para essa região do Médio Oriente.
Palestina. Um milhar de políticos europeus condenam anexação da Cisjordânia
“O novo acordo de coligação de Israel afirma que o Governo pode avançar com a anexação a partir de 1 de julho. Essa ação será fatal para as perspetivas de paz entre Israel e Palestina e desafiará as normas mais básicas que guiam as relações internacionais”.
Os 1080 signatários dizem-se, por isso, “profundamente preocupados quanto ao impacto da anexação na vida dos israelitas e palestinianos, assim como quanto ao seu potencial de desestabilização numa região que fica à porta do continente europeu”.
Pedem, por isso, aos líderes europeus que atuem de forma decisiva. “A Europa deve dar o primeiro passo e juntar atores internacionais que previnam a anexação de modo a salvaguardar as perspetivas de uma solução de dois Estados e de uma resolução justa do conflito”, apelam. A carta foi enviada ao chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, e aos ministros dos Negócios Estrangeiros de 25 países europeus.
“A aquisição de território à força não tem lugar em 2020 e deve ser alvo de consequências. O falhanço em responder adequadamente encorajaria outros Estados com disputas territoriais a desrespeitar princípios básicos da lei internacional”, argumentam os autores da carta.
Para que a segurança e os direitos de israelitas e palestinianos sejam garantidos de forma igualitária, a Europa deve empenhar-se em promover mais esforços que alcancem uma solução justa, acrescentam.
Os responsáveis europeus referem-se ainda ao “plano” elaborado pela Administração Trump para o Médio Oriente, apresentado no início deste ano, e que defende Jerusalém como “a capital indivisível de Israel”.
A intenção do Presidente norte-americano é que a capital da Palestina seja Abu Dis, uma vila de Jerusalém, e garantiu na altura que, caso esse cenário se concretize, os Estados Unidos lá instalarão uma Embaixada.
“Lamentavelmente, o plano do Presidente Trump afasta-se dos parâmetros e princípios acordados internacionalmente. Promove o controlo israelita permanente sobre um território palestiniano fragmentado, deixando os palestinianos sem soberania e dando uma luz verde a Israel para unilateralmente anexar partes da Cisjordânia”, criticam as figuras europeias que subscreveram a recente carta aberta.
A carta foi assinada por responsáveis políticos de 25 países. Do lado de Portugal, foram 17 os signatários: André Pinotes Batista, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Luís Graça, Catarina Marcelino, Isabel Moreira, Paulo Pisco, Alexandre Quintanilha, Tiago Barbosa Ribeiro e Carla Sousa (Partido Socialista); Joana Mortágua, José Manuel Pureza, Pedro Filipe Soares e João Vasconcelos (Bloco de Esquerda); Pedro Rodrigues (Partido Social-Democrata); Isabel Carvalhais e Isabel Santos (Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas - Parlamento Europeu) e, por fim, Francisco Guerreiro (Verdes/Aliança Livre Europeia – Parlamento Europeu).
O envio da carta aconteceu pouco antes de, esta quarta-feira, se ter dado início a uma reunião do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a anexação – o último encontro internacional antes da data anunciada pelo primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu.
O executivo de Netanyahu deixou claro que pretende, a 1 de julho, anexar colonatos construídos ilegalmente na Cisjordânia, cumprindo com o plano traçado por Donald Trump em janeiro.
Bélgica vota sobre o reconhecimento do Estado palestiniano
A Bélgica, que também está representada na carta assinada por políticos europeus e que tem sido um dos países europeus mais hostis em relação a Israel, vai votar na Câmara dos Representantes na quinta-feira o reconhecimento do Estado palestiniano. Vai ainda ser votada uma outra resolução que apela a sanções por parte da União Europeia contra Israel caso esse país avance com a anexação.
A primeira resolução pretende que a Bélgica “reconheça formalmente o Estado da Palestina e considere esse reconhecimento uma contribuição da Bélgica para a solução baseada na coexistência de dois Estados”.
Já a segunda pede que a União Europeia tome medidas efetivas e que aposte em coligações entre Estados-membros “de modo a fornecer uma resposta apropriada a qualquer anexação israelita dos territórios palestinianos”.
“A violação contínua da lei internacional, assim como o não cumprimento de muitas das resoluções da ONU pelo Estado israelita não podem ser ignorados”, defende a resolução belga. “E, em caso de anexação, serão ainda mais necessárias e oportunas medidas nesse sentido”.
O reconhecimento do Estado palestiniano por parte da Bélgica não deverá, porém, ser aprovado na votação de amanhã. A resolução passou com apenas um voto no Comité dos Negócios Estrangeiros no início do mês.
“A decisão de ‘reconhecer a Palestina’ seria totalmente contraproducente, pois encorajaria os palestinianos na sua presistente recusa em negociar e colocaria em causa a credibilidade da Bélgica”, considerou, através do Twitter, o embaixador israelita na Bélgica, Emmanuel Nahshon.
“Será como o apartheid”
Benjamin Pogrund, prestigiado autor israelita que, depois de passar décadas na África do Sul a lutar contra o apartheid, nos últimos 20 anos tem defendido que o caso de Israel é diferente, está agora a reconsiderar as suas convicções.
Em entrevista à Al Jazeera, Pogrund admitiu que, se Israel seguir em frente com a anexação da Cisjordânia e do Vale do Jordão, não terá escolha se não considerar o seu país adoptivo como uma versão moderna da era do apartheid.
“Haverá domínios feudais numa área ocupada. E as pessoas que passarão a ser governadas [pelos israelitas] não terão os direitos mais básicos”, considerou o autor. “Isso será como o apartheid, e iremos merecer essa acusação. É algo que me preocupa gravemente, pois expõe-nos a enormes perigos”.
Já há vários anos que Israel tem sido rotulado como um Estado de apartheid, especialmente por dissidentes que utilizam essa expressão para descrever a relação do país com a Palestina.
Apesar de descrever a ocupação da Cisjordânia como “tirana e opressora”, até agora Benjamin Pogrund considerava que o conflito israelo-palestiniano não era vincado por um racismo “intencional e institucionalizado” como o que se verificava na África do Sul nessa época.
Na recente entrevista, porém, frisou que “a anexação vai levar a situação ao limite”. “Iremos autoinfligir essa situação a nós mesmos. Estamos a aplicar o apartheid – essa palavra odiada da segunda metade do século XX”.