Visão Global 2017: Diogo Rolo Noivo

por Diogo Rolo Noivo - Investigador, Analista de Risco Político
DR

Personalidade do ano - Xi Jinping
Em Outubro de 2017, o Presidente da República Popular da China, Xi Jinping, viu o seu nome e pensamento político inscritos na Constituição do Partido Comunista Chinês, uma honra que partilha com dois antecessores: Mao Tse Tung e Deng Xiaoping. A entronização do Presidente chinês válida uma nova estratégia internacional, uma política externa mais ambiciosa, visível no alcance e impacto da influência de Pequim no mundo.

No lugar cimeiro do país desde 2012, Xi Jinping foi o artífice da crescente influência internacional da China. Foi ele que, em 2013, anunciou a Nova Rota da Seda, um projecto que unirá a China à Europa por via terrestre e marítima, passando por África, Ásia Central e Médio Oriente, uma iniciativa abrange 68 países, mais de 65% da população mundial e cerca de um terço do PIB do planeta. A importância deste projecto, com efeitos bastante tangíveis no continente africano, é dupla. Por um lado, ao disponibilizar capital, conhecimento e mão-de-obra a troco da exploração dos recursos naturais existentes em África, a China obtém os meios necessários ao desenvolvimento interno do país. Por outro lado, ao financiar e construir infraestruturas, Pequim cria dependência nos países africanos, em parte através do aumento das dívidas públicas locais, uma relação que a China explorará politicamente. Tanto no investimento directo estrangeiro como no comércio externo, a presença chinesa em África já supera a dos Estados Unidos da América.

Mais do que economia e recursos, a projecção de poder chinês no exterior tem também expressão militar. Este ano, Xi Jinping criou a primeira base militar chinesa fora de portas, decisão sintomática de um novo posicionamento internacional. Situada no Djibuti, esta base destina-se a apoiar missões nas costas da Somália e do Iémen, mas também a exercer poder no Estreito de Ormuz e a projectar força no Oceano Índico. Além da presença neste ponto estratégico, Pequim conta já com um lastro de influência no Mar da China Meridional, um dos pontos nevrálgicos do comércio e do trânsito de energia a nível mundial.

Em suma, tanto por via económica como militar, a China assume-se como um actor essencial em diferentes quadros geopolíticos, uma ambição que constitui uma mudança profunda no posicionamento do país. A ascensão económica e militar da República Popular da China, iniciada com o anterior Presidente Hu Jintao, foi aperfeiçoada e potenciada por Xi Jinping, o Chefe de Estado chinês que mais viagens oficiais realizou – desde 2013 visitou cinquenta e seis países passando por cinco continentes. A China não quer ser uma nação dispensável no quadro das potências mundiais. Sob as bandeiras da paz, da cooperação e do desenvolvimento, a China de Xi Jinping maximiza a sua influência num mundo que deseja multipolar.
Acontecimento do ano – O procés Catalão
A consulta popular realizada na Catalunha a 1 de Outubro e a posterior declaração unilateral de independência (DUI) daquele território constituem a maior e mais grave crise política em Espanha desde 1978. Em clara violação da Constituição de Espanha e do Estatut catalão, a consulta e a DUI são um teste à arquitectura institucional espanhola, mas também um desafio à coesão europeia.

A política de autonomias, de transferência de poderes do Estado central para os governos regionais, está na base do processo de transição democrática em Espanha. A Constituição de 1978, cuja descentralização é de tal forma ampla que não são poucos os constitucionalistas a considerar que o articulado tanto permite um Estado descentralizado em autonomias como um Estado Federal, discriminou positivamente, nas suas disposições transitórias, “direitos históricos dos territórios forais”. Isto é, cria um desequilíbrio de direitos entre autonomias no qual Galiza, País Basco e Catalunha saem em clara vantagem em relação às demais. Esta vantagem foi acentuada em Julho de 1981, quando Leopoldo Calvo-Sotelo, Presidente de Governo, e Felipe González, líder da oposição, criam uma divisão entre comunidades “históricas” e comunidades de regime comum no primeiro Pacto Autonómico de Espanha. Desde então, a Catalunha assumiu todas as competências que a Constituição prevê para as comunidades autónomas, como ainda conseguiu responsabilidades em áreas onde está em clara concorrência com o Estado: da bandeira ao idioma, da saúde à educação, da segurança às finanças, pouco falta para a independência. Este percurso histórico e as vantagens que dele resultaram para a Catalunha demonstram, a um só tempo, a fragilidade dos argumentos aduzidos pelo independentismo e também a curta margem de manobra do Governo espanhol para conceder maior autonomia à região. A solução definitiva para o impasse não é clara, mas as suas consequências são evidentes: da fuga em massa de sedes sociais de empresas à radicalização da sociedade, o preço do chamado procés é elevado e terá efeitos duradouros.

No plano europeu, a secessão de uma região de um Estado-Membro é inaudita e indesejável, uma vez que vai no sentido oposto ao processo de construção europeia. Sendo Espanha a quinta maior economia europeia – a quarta, confirmando-se a saída do Reino Unido –, a crise catalã é um problema europeu.

Cruzando o plano europeu com o mundial, a interferência da Federação Russa no processo catalão, interferência já vista no Brexit, nas mais recentes legislativas em França e muito provavelmente nas últimas presidenciais americanas, aumentou a exposição externa da crise política. De acordo com dados da organização Securing Democracy, contas de Twitter pró-russas aumentaram a sua actividade 2.000% a favor da independência catalã no dia anterior à consulta popular. Segundo dados avançados pelo Governo de Espanha, perfis russos em redes sociais estarão na génese de cerca de 55% de notícias falsas favoráveis à causa independentista. Esta ingerência teve dimensão suficiente para merecer intervenções públicas de diferentes líderes estrangeiros, da Primeiro-Ministro britânica Theresa May ao General responsável pelas forças NATO na Europa, a um grupo de mais de 140 especialistas e parlamentares Norte-Americanos e Europeus que firmaram uma declaração para combater a interferência russa em processos democráticos. A acção de Moscovo sobre o independentismo catalão levou também a que os Ministros dos Negócios Estrangeiros da União Europeia discutissem, por iniciativa de Espanha, do Reino Unido e dos países do Leste, formas de mitigar estas interferências, e a Comissão Europeia aprovou a criação de um grupo de trabalho para combater a disseminação de notícias falsas.

O procés catalão revelou consequências e ramificações muito superiores às que inicialmente se adivinhavam, abismos que as eleições no próximo dia 21 de Dezembro poderão acentuar. A dimensão do desafio catalão é de tal ordem que poderá condicionar o curso das políticas espanhola e europeias nos próximos anos.
pub