Visão Global 2017: Filipe Caetano

por Filipe Caetano - Jornalista, Editor Executivo da TVI, Doutorando em Ciência Política ISCTE/IUL
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Personalidade internacional: Donald Trump
O primeiro ano da presidência de Donald Trump foi um turbilhão constante e fonte de inesgotável de notícias para os media mundiais. O novo líder americano procurou cumprir as suas promessas à risca, por mais assustadoras que parecessem à grande maioria do eleitores do seu país ou aos cada vez mais chocados cidadãos do mundo, que deixaram de olhar para os Estados Unidos como reserva moral e garante de estabilidade. Desde o primeiro dia de Presidência que a administração liderada pelo magnata se enredou em falsas verdades, factos alternativos, e cortinas de fumo que pareciam assentar numa estratégia de dividir para reinar.

Ensombrado pela alegada interferência russa nas eleições e pela consequente investigação sobre o envolvimento de pessoas próximas, Trump cedo teve de fazer mexidas na sua equipa, deixando cair figuras tão influentes como Michael Flynn, Reince Priebus ou mesmo Steve Bannon. Com os piores níveis de popularidade para um Presidente, e uma sucessão alucinante de escândalos, Trump procurou acima de tudo segurar a sua base e tentar transformar em decisões concretas todas as sua promessas.

Entre tweets a meio da noite e ataques a praticamente todos os meios de comunicação social mais respeitados (com exceção para a Fox News), o ocupante da Casa Branca acusou Barack Obama de escutar as suas comunicações, criticou os aliados da NATO por não contribuírem com o que está estipulado, afastou os Estados Unidos da UNESCO, permitiu o reforço do poder russo na Síria e, acima de tudo, aumentou a temperatura no conflito latente com a Coreia do Norte.

Foram escassos os triunfos de Trump ao longo de 2017, e em termos de promessas eleitorais regista-se como mais evidente o cumprimento na aprovação do novo plano fiscal.

O Presidente dos Estados Unidos é a grande figura internacional do ano não pelo que conseguiu fazer, não por ser um sinal de estabilidade e uma referência para o mundo, mas precisamente pelo contrário. Porque não deixou ninguém indiferente, porque conseguiu sempre dizer e fazer pior do que alguma vez se imaginava. Porque conseguiu dividir ainda mais um país com problemas sociais e estruturais graves, que vira costas ao exterior e que parece querer abandonar toda a ideia de consenso estratégico. Trump é um sobressalto constante, possivelmente uma excelente notícia para Wall Street e para os muito ricos da América, mas um contraste gritante para com o Presidente que o antecedeu, pela sua falta de sensibilidade humana, pelo enorme desprezo pela diferença, pela falta de inteligência estratégica na forma de lidar com os seus aliados.

Os Estados Unidos vivem dias conturbados e de grande incerteza em relação ao seu futuro. O mundo assiste de boca aberta e com a constante sensação de esta aventura pode acabar muito mal. Trump deixou a sua marca em 2017 e promete continuar com a sua "revolução". Só nos resta esperar que algo mude e que os habitais balanços e contra-pesos da democracia americana evitem dias ainda mais negros.
Acontecimento internacional: Situação na Catalunha
Praticamente toda a segunda metade do ano foi marcada pela questão catalã e chegamos praticamente ao final de 2017 sem perceber muito bem como é que este processo vai terminar. Primeiro foi a ameaça do referendo, que Madrid nunca aceitou; depois a realização da consulta popular a 1 de outubro, completamente à revelia do governo central e com polícia na rua a tentar impedir as pessoas de votar. "Quer que a Catalunha seja um estado independente em forma de República?", lia-se nos subscritos que mais de dois milhões de catalães conseguiram vislumbrar. Ferido na sua legitimidade, o processo continuou o seu caminho de afrontamento às regras do Estado.

Tudo o que se seguiu foi novo e surpreendente. As manifestações pacíficas na rua em contraste com a intervenção musculada das forças da ordem enviadas pela capital. Os líderes políticos regionais a querem impor a separação, um líder a declarar a independência para logo a suspender, um Rei a tirar partido por um dos lados e a perder todo o espaço para mediar, um Parlamento regional a fazer história. Mas a estória não terminou aqui, porque foi ativado pela primeira vez o artigo 155, que suspendia a autonomia e procurava levar à justiça todos os responsáveis pela insubordinação. Marcadas eleições para 21 de dezembro, os dois lados continuaram a esticar a corda. Enquanto uns se apresentaram em Tribunal e foram imediatamente presos, outros fugiram para Bruxelas e lançaram acusações a partir da "capital da Europa", sob a proteção de uma justiça menos politizada.

Esta crise tem muitos rostos, muitas interpretações e enormes incertezas em relação ao futuro de uma região demasiado próxima de nós e a que não podemos estar indiferentes. Não só pelas repercussões económicas, mas também porque se trata da vontade expressa de parte significativa de um povo que sonha com a independência e pretende ser uma república. A questão catalã é, na minha perspetiva, o facto internacional mais relevante de 2017 por todas estas razões, mas também por aquilo que ainda poderá trazer nas próximas semanas, com o resultado inesperado das novas eleições e os necessários equilíbrios políticos que se seguirão.

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