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Visão Global 2017: Licínia Simão

por Licínia Simão - Investigadora do Núcleo de Estudos para a Paz do Centro de Estudos Sociais e professora do Núcleo de Relações Internacionais da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra
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Personalidade do ano 2017: Xi Jinping
Para mim, a figura do ano de 2017, é o Presidente chinês Xi Jinping, pela consolidação de poder interno que conseguiu, numa escala com precedentes escassos na China contemporânea e pela estratégia global que tem impulsionado na política externa chinesa.

2017 foi, a todos, os níveis um ano de grandes conquistas para o Presidente chinês, com expectáveis repercussões à escala global. Não só Xin Jinping consolidou, ao longo deste ano, a sua posição como líder supremo do Partido Comunista Chinês, como viu também as suas linhas programáticas oficialmente incluídas na constituição chinesa, no 19.º Congresso Nacional do Partido que teve lugar em outubro deste ano, com uma referência explícita ao “Pensamento de Xi Jinping”. Este passo inaugura a terceira era da China moderna.

Depois de Mao Zedong ter unificado o país, Deng Xiaoping ter promovido a unidade e a riqueza, agora Xi Jinping continua essas linhas programáticas e acrescenta a ideia de disciplina a nível interno e força à escala internacional.

Para além desta dimensão interna, a China é já a segunda potência económica à escala global e as suas reservas financeiras permitem-lhe alavancar uma estratégia de difusão de poder à escala global, com impacto quer ao nível dos países mais pobres, com quem a China desenvolve políticas de ajuda e cooperação de grande eficácia e impacto, quer ao nível das potências emergentes e das grandes potências.

Alavancada por esta pujança económica e liquidez financeira, a presença chinesa no globo tem se acentuado de forma clara sob liderança de Xi Jinping. A Belt and Road Initiative, através da qual a China está a financiar e construir uma rede ferroviária de alta velocidade e uma rede viária e portuária a partir de Pequim para a ligar aos mercados europeus e lhe permitir acesso aos portos do Mar Índico, ao mesmo que tempo que reforça a sua presença no Pacífico, ilustram bem a ambição chinesa alimentada pela visão do seu Presidente. Mas a presença chinesa estende-se à América Central e do Sul e a África, com uma clara agenda comercial e geopolítica.

O Presidente chinês enfrentou, contudo, alguns fracassos importantes durante este ano, nomeadamente no que respeita a política nuclear norte-coreana. A marginalização da China enquanto garante da política de não-proliferação nuclear, torna a região mais volátil e abre a porta a possíveis confrontos de grande escala. Será difícil ao Presidente chinês recuperar o controlo desta situação, tendo em conta os desenvolvimentos difíceis em 2017. Uma situação a acompanhar.
Acontecimento do ano 2017: fim das presidências de José Eduardo dos Santos em Angola e de Robert Mugabe no Zimbabué
Destaco em 2017 dois momentos importantes que assinalam um desafio que se coloca a muitos países da África do Sul e Ocidental, nomeadamente o fim de uma geração de políticos africanos que emergiram e se consolidaram como líderes nacionais no contexto da descolonização.

A saída de poder por parte do Presidente angolano José Eduardo dos Santos, ao fim de quase 38 anos no poder, e a deposição de Robert Mugabe no Zimbabué, ao fim de 37 anos, ilustram um problema comum a muitas das sociedades africanas (mas não exclusivamente).

A forma da transição de poder colocar-se-á um pouco por todo o continente nos anos futuros, tendo em conta a idade avançada de muitos Presidentes (como é o caso da Guiné Equatorial, dos Camarões ou do Uganda) e a pressão regional para a instituição de limites aos seus mandatos (a exemplo do que sucedeu já no Togo ou das pressões que se fazem sentir sobre o Presidente congolês).

A forma que estas transições assumem é outra dimensão importante desta reflexão. Quer seja através de eleições, quer seja através de golpes palacianos suportados pelo apoio popular, em ambos os casos a transição de poder fez-se de forma não violenta, evitando cenários de conflito armado.

Contudo, resta saber qual o impacto dos mandatos populares que são atribuídos a estes novos líderes na sua forma de atuação, tendo em conta que estas são transições de poder, mas não necessariamente de regime. Muitos dos problemas sociais que enfrentam estas sociedades deverão ser abordados, se o reforço da legitimidade popular for um objetivo. Assim, estes dois momentos simbolizam, a meu ver, uma tendência maior que se prefigura um pouco por toda a África, criando pressão para a existência de mudança efetiva.

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