Visão Global 2017: Paulo Sande

por Paulo Sande - Professor na Universidade Católica Portuguesa, Ex-diretor do gabinete do Parlamento Europeu em Lisboa
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Personalidade do ano: Emanuel Macron
Emanuel Macron é, para mim, a personalidade do ano em 2017. Eleito o mais novo Presidente dos franceses de sempre em Maio, com 66% dos votos, Macron foi a primeira pedra no dique que deteve a ascensão da extrema-direita na Europa, pelo menos para já, relegando Marine Le Pen para o segundo lugar da corrida presidencial.

O momentum do nacionalismo xenófobo foi quebrado pela vitória de Macron, a democracia liberal vive mais um dia na esperança de que os seus líderes sejam capazes de recuperar a confiança dos respectivos eleitorados.

Saído das margens da política costumeira, sem um partido político tradicional a apoiá-lo, o jovem Presidente deu o mote para o começo da reconstrução democrática europeia, e do Ocidente em geral, ao provar que é possível romper com os arquétipos do passado sem necessariamente habitar as margens do sistema, à esquerda ou direita extremas.

Liberal, moderno, europeu, Emanuel Macron propôs uma das mais ousadas e radicais reformas da União Europeia desde há muitos anos, ainda a aguardar o desfecho das recentes eleições alemãs, pois sem um governo estável e pró-europeu na Alemanha dificilmente as propostas mais ousadas do presidente francês poderão ver a luz do dia.

Mas foi sem dúvida uma luz que se acendeu no preocupante cenário político do velho continente, no qual as ameaças populistas e o risco de protecionismo e nacionalismo se faz sentir de forma aguda. Macron foi eleito com um programa político assente na luta contra o terrorismo, na recuperação da economia e na moralização da vida pública, mas o seu período de graça não foi longo, pois sucessivas quedas nas sondagens revelaram uma diminuição constante da sua popularidade aos olhos dos franceses.

Com o mandato no início, o presidente francês tem obviamente tempo – e, espera-se, capacidade – para corresponder às expectativas que ele próprio, com o seu estilo e as suas mensagens, suscitou. Pode dizer-se que se trata de um extraordinário, mas intrigante, Objecto Político, Difícil de Identificar, um OPDI, surgido na cena política europeia.

Num planeta aliás em vias de se radicalizar, no plano político e geo-estratégico, a visão globalista e inclusiva de Macron surge em movimento contra-corrente, capaz de resgatar a confiança dos governados na governação. O caso do clima é exemplar, com a França a declarar-se, sob a sua batuta, um baluarte da luta contra o aquecimento global, em directo confronto com posições mais extremadas como a da actual administração norte-americana.

Escolhi Emanuel Macron como a figura internacional do ano em 2017, pela promessa que representa de renovação e recuperação da confiança dos cidadãos, e não apenas dos franceses, nas instituições democráticas, francesas como europeias. No mundo do digital, do imediato e das redes sociais, a Europa precisa de um líder para liderar o processo de reforma, tão indispensável como há longo tempo necessário.

Emanuel Macron, um verdadeiro OPDI, tem ainda um longo caminho a percorrer, mas a sua eleição representou sem dúvida a escolha de uma figura que pode simbolizar uma nova era para o seu país, para a Europa e para o mundo.
Acontecimento do ano: Anunciada a saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit)

A carta enviada aos líderes europeus pela primeira-ministra britânica, Theresa May, no dia 29 de Março de 2017, a anunciar a saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (UE), constitui para mim, sem sombra de dúvida e a uma grande distância dos restantes, o mais relevante acontecimento do ano.

Não se tratou apenas de um facto importante para os países envolvidos, ou sequer para o conjunto da Europa, mas de um evento com implicações globais. Ainda o processo de negociações para a referida saída vai no adro, e já as complicações e os efeitos traumáticos de um processo que tem tudo para ser doloroso se fazem sentir.

É uma evidência que a perda de um membro tão importante como o Reino Unido, representa um rude golpe para o processo de integração europeia, ainda que para já – e até ver – os restantes Estados-membros pareçam ter cerrado fileiras e anunciado reformas cruciais para o futuro da União, seja no plano institucional seja no da União Económica e Monetária. Mas a par e talvez para além da Europa dos 28, em breve 27, países europeus, será o próprio Reino Unido a sofrer as mais duras e danosas consequências do brexit, se e quando acontecer.

O acesso ao mercado interno, a negociar após a conclusão da primeira fase das negociações entre as partes, RU e UE, continua a estar no centro de todas as discussões, com as posições extremadas: entre a saída limpa e o estabelecimento de um acordo que proteja as relações económicas e comerciais entre as duas margens da Mancha, digladiam-se e enfrentam-se argumentos, actores, paixões; entre os brexiteers e os remainers, para não falar dos releavers e agora dos bremainers, há pouca comunicação e escassa capacidade de conciliação.

O processo do brexit, à luz do artigo 50.º do Tratado da União Europeia, tem-se revelado aliás venenoso para o governo de Theresa May, cada vez mais acossada e acusada de incapacidade política, incompetência e desorganização.

Além disso, o risco de contágio decorrente do brexit é uma das principais preocupações das autoridades europeias, razão pela qual – no dizer de muitos dos seus críticos – Bruxelas não parece estar disposta a facilitar a vida às autoridades britânicas.

Os argumentos dos defensores da saída estão também na ordem do dia, com muitos dos seus adversários, entre os quais se conta – e de forma muito vocal – o antigo primeiro-ministro Tony Blair, a acusarem-nos de má-fé e de terem manipulado a opinião pública do país, com afirmações e números que já se revelaram completamente falsos, como a questão do sistema de saúde e das verbas que poderiam ser libertadas como consequência directa do abandono da União.

O pedido formal de saída por parte do Reino Unido ao abrigo do artigo 50.º do TUE representa por isso, sem sombra de dúvidas, o mais importante acontecimento do ano, com consequências de grande monta para todos os envolvidos: nem jogo de soma positiva nem neutra, o brexit resultará inevitavelmente em prejuízo para a visão europeia de um futuro de integração harmoniosa e próspera das nações soberanas do velho continente.
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