Visão Global 2017: Pedro Aires Oliveira

por Pedro Aires Oliveira - Professor na Universidade Nova de Lisboa, Investigador no IHC-FCSH/NOVA
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Personalidade do ano: Emmanuel Macron
Depois do Brexit, depois da eleição de Trump, a maré populista parecia ter ganho um ímpeto irresistível em finais de 2016. Uma vitória de Marine Le Pen, uma candidata que se reclama de uma tradição com raízes na Action Française e em Vichy, deixara de poder ser posta de parte.

Nesse sentido, a chegada de Macron ao Eliseu, na sequência das presidenciais francesas de Abril-Maio de 2017, foi um marco político importante – a travagem da ascensão da extrema-direita, que ameaçava triunfar num dos principais estados europeus. O desfecho das eleições holandesas em Março havia sido um primeiro sinal encorajador (para quem se revê numa tradição liberal-democrática, bem entendido), mas se Le Pen tivesse levado a melhor poucas dúvidas subsistiram sobre as consequências devastadoras que daí resultariam para o projecto europeu.

Mas o que se poderá esperar do seu mandato?

Macron, cujo trajecto não destoa de muitas outras figuras da elite que há décadas domina a política francesa, foi capaz de se apresentar como um candidato anti-establishment e capitalizar o descrédito que atingiu os partidos do centro-esquerda e da direita francesa.

O seu movimento En Marche lembra, em vários aspectos, as candidaturas de Barak Obama, dinamizadas por jovens entusiastas. E há outros traços na personalidade de Macron que sugerem paralelismos com Obama - uma abordagem racional dos problemas, sólida formação intelectual, um estilo sóbrio ou mesmo distante.

Em termos ideológicos ou doutrinários, Macron parece ser uma personalidade algo esquiva. Alguns aspectos da sua retórica lembram as ideias da “Terceira Via” blairista, uma tentativa de reconciliar a clássica social-democracia com as exigências do capitalismo globalizado. Recorde-se que Macron fez parte de um dos governos de Hollande e foi o autor de uma contestada reforma laboral de sentido liberalizante, apenas aprovada por decreto presidencial.

É ainda cedo para percebermos o verdadeiro significado da vitória de Macron: resultou ela de uma adesão da maioria do eleitorado à sua mensagem de mudança, ao seu progressismo que pretende transcender a clivagem esquerda/direita, ou de uma amálgama de razões onde se misturam o voto estratégico de uma grande parte dos eleitores (evitar um mal maior que seria a vitória de Le Pen)?

Há muitos anos que comentadores mais alinhados com o liberalismo anglo-saxónico exortam os franceses a abandonarem as suas tradições mais estatizantes e social-protecionistas. Mas a verdade é que desde meados dos anos 1980 que vários governos em Paris se têm alinhado com políticas macro-económicas liberais e posto de lado abordagens mais keynesianas - e os resultados estão longe de ter sido brilhantes.

Pode ser que Macron marque pontos na frente europeia e persuada a chanceler Merkel a adoptar medidas orçamentais mais expansionistas que favoreçam os exportadores franceses e europeus. E até poderá dar-se o caso de a economia francesa beneficiar mais do que o esperado com a saída britânica da UE. Se isso não acontecer, Macron e os seus entusiastas estão destinados a enfrentar um embate duro com a tradição francesa de protesto de rua.
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